Escola de Pilotagem de Macau

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Escola de Pilotagem de Macau
(valor desconhecido)
Outras denominações Real Escola de Pilotos de Macau, Escola Real de Pilotos de Macau, Escola de Pilotagem da Cidade de Macau, Aula Pública de Navegação de Macau
Tipo de Instituição Ensino civil
Data de fundação 3 agosto 1814
Data de extinção valor desconhecido
Paralisação
Início: 1822, 1823, 1893
Fim: 1822, 1862, 1906
Localização
Localização Macau
Antecessora valor desconhecido

Sucessora valor desconhecido


História

Os antecedentes da criação da escola de pilotagem em Macau recuam aos finais do século XVIII, em que a criação do ensino de náutica era convencionada como resposta à necessidade de proteger o comércio marítimo na extensa região coberta pelos navegadores de Macau e reduzir o impacto dos naufrágios naquela economia, sendo frequentes devido às dificuldades de navegação nos mares do sul da China[1].

Ao contrário do que ocorrera em Goa, onde se assistiu à criação de uma aula de navegação em cerca de 1760[2], o processo de institucionalização do ensino náutico em Macau foi mais tardio e conturbado[3]. A primeira tentativa de criação do ensino surgiu de forma informal na década de 90 do século XVIII, consistindo numa aula leccionada a título particular por Feliciano Lima, piloto de embarcações em exercício na cidade desde 1786, o qual fora solicitado para esse fim pelo Leal Senado de Macau com o apoio do governador da Índia, Francisco da Cunha Meneses[4]. A aula existiu certamente entre 1790 e 1802, em formato diário, tendo sido estruturada, em data incerta, em "Aula Pública de Navegação"[5] com atribuição de ordenado a Feliciano Lima, em razão do aumento do número de alunos. Uma vez que a aula existia na dependência deste mestre, esta extinguiu-se quando o seu ordenado foi suspenso em 1802[4]. A crer na representação dirigida ao poder régio pelos moradores de Macau em 1803, a aula, que afirmavam necessária à manutenção do comércio da cidade, terá sido abolida pelo governador de Goa, José Manuel Pinto, possivelmente motivado pela acusação de Feliciano Lima pela prática de crimes[4]. Apesar da abolição da aula, a importância económica da região para o Império português e o interesse de outros poderes navais europeus, como o inglês, suscitado pelo acesso facilitado ao mercado chinês através de Macau, motivaria o poder régio, na pessoa de do príncipe regente D. João, a proceder a novas tentativas para a instituição do ensino da náutica[6].

Por alvará de 3 de Agosto de 1814, era criada a Real Escola de Pilotos de Macau. Em ofício de 6 de Agosto de 1814, informava-se do envio do Reino para Macau do capitão Paulino da Silva Barbosa para ocupar o lugar de lente de primeiro ano, devendo ser acompanhado por instruções para o estabelecimento da escola e livros clássicos a distribuir aos alunos[6]. As aulas iniciaram o funcionamento entre 1815[6] e 1816[5]. Os Estatutos da Real Escola, datados de 1817, estabeleciam um curso de pilotagem com a duração de dois anos, sendo permitida a matrícula aos alunos com idade mínima de 14 anos que atestassem a realização de exame sobre os conhecimentos básicos de aritmética[5].

Para além do papel formativo, os Estatutos incumbiam à Real Escola um "papel de entidade científica fiscalizadora e supervisora da navegação nos mares do Oriente com eixo em Macau", concretizado em dois eixos. Competia à Real Escola, em exclusividade, a emissão de licença para os pilotos e sota-pilotos da região oriental do Império, sem a qual nenhum poderia habilitar-se a executar essas funções. Àqueles que não tivessem frequentado o curso de pilotagem, era requerida a frequência em dois exames, estando a licença dependente da sua aprovação[7]. Aos pilotos, que houvessem sido discípulos da Escola, era requerida a apresentação das derrotas marítimas, ou percursos, perante os lentes para que se procedesse à sua revisão e correcção, das quais estava dependente a emissão de nova licença de navegação. Os pilotos ficavam igualmente obrigados a "tirar também as configurações das Costas, Ilhas, e Portos (...) de que entregarão uma cópia com todas as observações, e exames que tiverem feito sobre os mares, e eventos, e virações de agulhas, correntes, etc. afim de se poderem emendar os roteiros, e Cartas marítimas"[5]. Estas incumbências parecem enquadrar-se na tradição sustentada pela Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica (1798-1807) de aperfeiçoar e corrigir as cartas marítimas e de navegação existentes com base nas derrotas realizadas e nos relatos cartográficos e hidrográficos levantados que os pilotos do Reino estavam obrigados a comunicar.

Apesar de ter configurado "a primeira estrutura educativa em Macau adaptada às especificidades locais" e, como tal, uma "iniciativa percursora"[7], a Real Escola teve uma curta duração. Em 1820, acusava-se já a falta de alunos, o que levaria ao encerramento provisório, sendo novamente aberta no final do ano. No ano seguinte, o Leal Senado de Macau emitia um parecer em que considerava "desnecessária tal Escola" em razão de serem as principais necessidades da navegação em Macau de cabotagem, do ensino desta depender mais da prática do que a teoria, e, por sua vez, dessa prática poder ser adquirida, sem custos para a cidade - a despesa realizada com a manutenção da Escola era avaliada em 11 188 taéis -, nas embarcações e com a orientação dos pilotos existentes[8]. A falta de alunos inscritos ter-se-á mantido, pelo menos, até 1823. Segundo Manuel Teixeira, a Real Escola terá estado anexada a uma academia militar dedicada ao ensino dos militares pertencentes ao Batalhão do Príncipe Regente, devido à componente matemático do seu curso[9].

Não sendo certa a data de extinção da Real Escola, foi sucedida pela Escola de Pilotagem de Macau, instituída no reinado de D. Luís I por carta de lei de 5 de Julho de 1862[10]. A realização do exame de piloto era permitida aos alunos que tiverem "navegado suficientemente, e [a]os indivíduos, que, faltando-lhes a frequência e aprovação das doutrinas ensinadas na escola, tiverem aprendido no mar a arte de navegar"[11]. Segundo apreciação do Ministro da Marinha, em 1875, a manutenção da Escola de Pilotagem deveu-se aos resultados positivos alcançados[12]. Considerando o afastamento do seu único professor em 1882, e a ausência de nomeações a partir dessa data, é provável que a Escola tenha deixado de funcionar. Em 1893, no contexto da reorganização do ensino de Macau, a Escola de Pilotagem foi extinta por carta de lei de 27 de Julho, que criou o Liceu de Macau[13].

Em 1906, a Escola de Pilotagem foi refundada anexa à capitania do Porto de Macau, sob iniciativa do governador de Macau. A sua criação respondia à necessidade de habilitar os pilotos da cidade e evitar a emigração daqueles para os portos vizinhos motivada pelo desemprego existente em Macau. Nesse sentido, o decreto fundador da Escola especificava que a licença adquirida pela frequência no curso da Escola "somente será válida para a grande e pequena cabotagem na mesma província"[14]. Eram admitidos alunos entre os 16 e os 26 anos de idade, com aprovação no exame de instrução primária dos liceus nacionais. O curso elementar de pilotagem era regido em dois anos e as aulas asseguradas pelo adjunto da capitania do Porto, findas as quais, e com aprovação, era passada a carta de piloto. Uma vez existindo pilotos habilitados pela Escola de Pilotagem, deixaria de ser permitida a entrada de pilotos práticos nos navios de grande cabotagem. Aos pilotos habilitados com o curso era passada carta de oficial de navegação - que habilitava à embarcação na condição de piloto em navios de longo curso e ao posto de capitão nos navios de grande cabotagem - condicionada à apresentação de um total de 120 diários, cada um com 24 horas completas de navegação, correspondente a um tirocínio[15].

, e novamente em 1980, encontrando-se atualmente em funcionamento[16].

Outras informações

O governador de Macau era incumbido da inspeção e da execução das leis e regulamentos relativos à Escola de Pilotagem[17].

Professores

Professor da Aula Pública de Navegação de Macau, Feliciano Lima[4].

Professor de primeiro ano na Real Escola de Pilotos de Macau, Paulino da Silva Barbosa[6]. Professor de segundo ano na Real Escola de Pilotos de Macau, Cavalcante de Albuquerque[8].

Aquando da fundação da Escola de Pilotagem, estabeleceu-se um único lugar de um professor, sob nomeação do governo, provido pela classe dos oficiais da armada, ou pertencente aos pilotos dos navios do comércio. A sua substituição era assegurada por indivíduo nomeado pelo inspector[18].

Na Escola de Pilotagem de Macau, o lugar de professor foi ocupado por Francisco Joaquim Marques, tendo sido nomeado em 1863[19]. Permaneceu no lugar até 1882, altura em que se encontrava afastado por motivos de doença. No ano seguinte, o governador Joaquim José da Graça propunha a sua aposentação[20].

Curricula

O currículo estabelecido pelos Estatutos de 1817 apresentava um curso de pilotos dividido em dois anos. No primeiro ano ensinava-se Aritmética, Álgebra até à composição de equações, Geometria e Trigonometria plana a partir da obra de Le-Roi, ou de Étienne Bézout[5], cuja última poderá ser o título Cours de Mathématiques à l’usage du corps royale d l’artillerie. Paris: 1777, à semelhança do que era empregue no ensino da Aula de Navegação de Goa[21]. No segundo ano, correspondendo a um ano mais prático[6], leccionava-se a Trigonometria esférica, Astronomia, Hipográfica demonstrada e aplicada à pilotagem; Manobra e uso de instrumentos, e prática de observações, igualmente baseado nas obras de Bézout ou Le Roy[5].

Plano de estudos de 1814
Ano Nome da Cadeira Matérias Livros Professores
Primeiro ano Aritmética, Álgebra, composição de equações, Geometria e Trigonometria plana. Obra de Le Roy.

Bézout, Étienne. Cours de Mathématiques.

Paulino da Silva Barbosa[6].
Segundo ano Trigonometria esférica, Astronomia, Hipográfica demonstrada e aplicada à pilotagem.

Manobra e uso de instrumentos. Prática de observações.

Obra de Étienne Bézout ou Le Roy. Cavalcante de Albuquerque[8].

Notas

  1. Ferreira, "A institucionalização do ensino da náutica", 158.
  2. Ferreira, "A institucionalização do ensino da náutica", 149-150.
  3. Para a história do ensino náutico em Goa vide Ferreira, "A institucionalização do ensino da náutica", 144-158.
  4. 4,0 4,1 4,2 4,3 Ferreira, "A institucionalização do ensino da náutica", 159.
  5. 5,0 5,1 5,2 5,3 5,4 5,5 Mesquita, "Ensino e cultura", 3:487.
  6. 6,0 6,1 6,2 6,3 6,4 6,5 Ferreira, "A institucionalização do ensino da náutica", 160.
  7. 7,0 7,1 Mesquita, "Ensino e cultura", 3:649.
  8. 8,0 8,1 8,2 Mesquita, "Ensino e cultura", 3:488.
  9. Teixeira, Padre Manuel. A educação em Macau, 25-26. Macau: Direcção dos Serviços de Educação e Cultura, 1982, citado em Mesquita, "Ensino e cultura", 3:488.
  10. Carta de lei, 5 de Julho de 1862, Diário do Governo, no. 154, 12 de Julho de 1862, 1876.
  11. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 12:129.
  12. Ribeiro, 12:129.
  13. Mesquita, "Ensino e Cultura", 3:530.
  14. Decreto, 20 de Junho de 1906, Diário do Governo, no. 141, 27 de Junho de 1906, 2253.
  15. Regulamento da escola de pilotagem de Macau, 16 de Novembro de 1906, Diário do Governo, no. 264, 21 de Novembro de 1906, 4050.
  16. Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água, "1. História de ensino náutico". Visualizado em 14 Agosto, 2022.
  17. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 12:128.
  18. Ribeiro, 12:128.
  19. Decreto, 18 de Março de 1863, Diário do Governo, no. 63, 20 de Março de 1863, 808.
  20. Arquivo Histórico Ultramarino, 2653, 2654_2G SEMU DGU, cx. 1876-1892. "Classificação pessoal Obras Públicas (1892)_Créditos".
  21. Ferreira, "A institucionalização do ensino da náutica", 156.

Fontes

Arquivo Histórico Ultramarino, 2653, 2654_2G SEMU DGU, cx. 1876-1892. "Classificação pessoal Obras Públicas (1892)_Créditos".

Carta de lei, 5 de Julho de 1862, Diário do Governo, no. 154, 12 de Julho de 1862, 1876.

Decreto, 18 de Março de 1863, Diário do Governo, no. 63, 20 de Março de 1863, 808.

Decreto, 20 de Junho de 1906, Diário do Governo, no. 141, 27 de Junho de 1906, 2253.

Regulamento da escola de pilotagem de Macau, 16 de Novembro de 1906, Diário do Governo, no. 264, 21 de Novembro de 1906, 4050-4052.

Bibliografia

Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água, "1. História de ensino náutico". Visualizado em 14 Agosto, 2022.

Ferreira, Nuno Martins. "A Institucionalização do Ensino da Náutica em Portugal (1779-1807)." Tese de Doutoramento, Universidade de Lisboa, 2013.

George, Cheng Chun Wai. "O Ensino em Macau Criado e Gerido por não Chineses entre os Finais do Século XIX e o Início do Século XX". Administração 32, no. 124 (2019): 231-252.

Mesquita, Pedro Teixeira. "Ensino e cultura" Em História dos portugueses no extremo Oriente, dir. por A. H. Oliveira Marques, 3:485-693. Lisboa: Fundação Oriente, 2000.

Ribeiro, José Silvestre. Historia dos estabelecimentos scientificos litterarios e artisticos de Portugal nos sucessivos reinados da monarquia. Vol. 12. Lisboa: Typografia Real da Academia de Sciencias, 1884.

Ligações Internas

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Categoria:Escola de Pilotagem de Macau

Ligações Externas

Autor(es) do artigo

João de Almeida Barata

https://orcid.org/0000-0001-9048-0447

Financiamento

Fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto TechNetEMPIRE | Redes técnico-científicas na formação do ambiente construído no Império português (1647-1871) PTDC/ART-DAQ/31959/2017

Apoio especial “Verão com Ciência 2022” da UID 4666 – CHAM — Centro de Humanidades, financiado por fundos nacionais através da FCT/MCTES (PIDDAC)

DOI

https://doi.org/10.34619/xkgp-d8ok

Citar este artigo

Almeida Barata, João de. "Escola de Pilotagem de Macau", in eViterbo. Lisboa: CHAM - Centro de Humanidades, FCSH, Universidade Nova de Lisboa, 2022. (última modificação: 28/12/2023). Consultado a 19 de maio de 2024, em https://eviterbo.fcsh.unl.pt/wiki/Escola_de_Pilotagem_de_Macau. DOI: https://doi.org/10.34619/xkgp-d8ok