Real Fábrica das Sedas: diferenças entre revisões

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Verificada a incapacidade de Roberto Godin em apresentar todo o capital necessário à constituição da Real Fábrica, foi constituída uma sociedade comercial que reuniu os investimentos de "''Manuel Nunes da Silva Tojal, Manuel de Sande de Vasconcelos, Francisco Xavier Ferraz de Oliveira, João da Costa Carneiro, Manuel da Costa Pinheiro, Domingos da Silva Vieira, D. Gabriel António Gomes, Cristiano Stockler, e Domingos da Cruz Lisboa''". Foi lavrada escritura em 4 de Outubro de 1734, com um financiamento de 60:400$000 réis<ref>Neves, 48-49.</ref><ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 103-104.</ref>. Era estabelecida uma direcção composta por três membros encarregues da compra das matérias-primas, da venda das peças, da vinda de artífices, do pagamento de salários e do balanço financeiro da Fábrica<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 104-105.</ref>. Assinala-se a colaboração de Luís Terrier, fabricante francês, na constituição da Fábrica, em particular, na armação de diversos teares, na sua participação na administração e na instrução de aprendizes, até 1783, data do seu falecimento<ref>Neves, 50-51.</ref>. Entre 1738 e 1770, também o fabricante francês Estevão Giungú se associou à Real Fábrica pela armação de teares de damasco de ouro, feito que levou à sua nomeação para contramestre<ref>Neves, 51-52.</ref>.     
Verificada a incapacidade de Roberto Godin em apresentar todo o capital necessário à constituição da Real Fábrica, foi constituída uma sociedade comercial que reuniu os investimentos de "''Manuel Nunes da Silva Tojal, Manuel de Sande de Vasconcelos, Francisco Xavier Ferraz de Oliveira, João da Costa Carneiro, Manuel da Costa Pinheiro, Domingos da Silva Vieira, D. Gabriel António Gomes, Cristiano Stockler, e Domingos da Cruz Lisboa''". Foi lavrada escritura em 4 de Outubro de 1734, com um financiamento de 60:400$000 réis<ref>Neves, 48-49.</ref><ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 103-104.</ref>. Era estabelecida uma direcção composta por três membros encarregues da compra das matérias-primas, da venda das peças, da vinda de artífices, do pagamento de salários e do balanço financeiro da Fábrica<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 104-105.</ref>. Assinala-se a colaboração de Luís Terrier, fabricante francês, na constituição da Fábrica, em particular, na armação de diversos teares, na sua participação na administração e na instrução de aprendizes, até 1783, data do seu falecimento<ref>Neves, 50-51.</ref>. Entre 1738 e 1770, também o fabricante francês Estevão Giungú se associou à Real Fábrica pela armação de teares de damasco de ouro, feito que levou à sua nomeação para contramestre<ref>Neves, 51-52.</ref>.     


No período da gestão privada a Fábrica das Sedas conheceu três direções. Entre 5 de Outubro de 1734 a 31 de Janeiro de 1745<ref name=":4" />, a direcção foi composta por Manuel Nunes da Silva Tojal, Francisco Ferraz de Oliveira e Domingos da Silva Vieira<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 116.</ref>. Desta primeira direcção destaca-se o acumular de "''grandes perdas; de forma que no fim dela os materiais, e fazendas existentes, e as dívidas ativas apenas compensavam o dinheiro tomado a juro''"<ref name=":4" />. A situação financeira débil explica-se pelas dívidas contraídas para a construção do edifício no Rato, para a aquisição da matéria-prima e de equipamentos, bem como na contratação de artífices<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 124.</ref>. Acresciam ainda dificuldades na obtenção da matéria-prima no mercado português de que resultou a dependência face à seda de origem espanhola e, mais tarde, a necessidade de aceder ao mercado de Macau para suprir as necessidades da fábrica e impedir a sua paralisação, sem que as medidas tomadas tenham surtido o efeito necessário<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 125-130.</ref>. Entre 1 de Fevereiro de 1745 a 31 de Outubro de 1747<ref name=":4" />, a direcção foi composta por Manuel de Sande Vasconcelos, Cristiano Stockler e Manuel Nunes da Silva Tojal, destacando-se "''a maior incidência de conflitos internos, especialmente entre os membros de sua diretoria''", bem como com Roberto Godin<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 134.</ref>. Neste período verificou-se a compra de seda crua em Bragança e Lamego, e a importação de Espanha, novamente, e da China, Itália, Holanda e França. Manteve-se a problemática da acumulação de dívidas como instrumento de capitalização da Fábrica<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 136-138.</ref>. Entre 1 de Novembro de 1747 a 15 de Junho de 1750 a direcção foi composta por Rodrigo de Sande Vasconcelos, Manuel Nunes da Silva Tojal e Francisco Ferreira da Silva<ref name=":5">Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 141-142.</ref>. Nesse período a Real Fábrica "''se achava na última decadência, por falta de fundos''"<ref name=":4">Neves, 52.</ref> e a direcção "''parecia estar de 'mãos atadas' diante de suas dificuldades''", nomeadamente a incapacidade de contrair novos empréstimos<ref name=":5" />, de pagar salários e adquirir matéria prima<ref name=":6">Neves, 56.</ref>. Perante estas circunstâncias destaca-se a súplica de Roberto Godin ao poder régio, nomeadamente ao príncipe e futuro rei D. José I, para intervir e auxiliar financeiramente a Real Fábrica<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 144-149.</ref>. A incipiente capitalização que marcou a fundação e evolução da Real Fábrica no período de gestão privada foi uma característica típica do segundo surto industrialização, a qual, a par da improvisação das iniciativas e a falta generalizada de planeamento das mesmas, explica os limitados efeitos alcançados durante esse surto<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 55-56.</ref>. A par da falta de fundos, o estado de decadência da Fábrica de Sedas no período da gestão privada explica-se, entre outros, pela incapacidade de gestão dos seus diretores e o conflito de interesses entre os mesmos, a falta de técnicos nacionais especializados, a dificuldade no acesso a tecnologias e a forte concorrência internacional no mercado das sedas<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 153-155.</ref>. 
No período da gestão privada a Fábrica das Sedas conheceu três direções. Entre 5 de Outubro de 1734 a 31 de Janeiro de 1745<ref name=":4" />, a direcção foi composta por Manuel Nunes da Silva Tojal, Francisco Ferraz de Oliveira e Domingos da Silva Vieira<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 116.</ref>. Desta primeira direcção destaca-se o acumular de "''grandes perdas; de forma que no fim dela os materiais, e fazendas existentes, e as dívidas ativas apenas compensavam o dinheiro tomado a juro''"<ref name=":4" />. A situação financeira débil explica-se pelas dívidas contraídas para a construção do edifício no Rato, para a aquisição da matéria-prima e de equipamentos, bem como na contratação de artífices<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 124.</ref>. Acresciam ainda dificuldades na obtenção da matéria-prima no mercado interno, resultando na dependência da importação de seda espanhola. Para a resolução dessa questão, em 1741, constituía-se uma companhia comercial com o objetivo de facilitar o acesso ao mercado de sedas de Macau "''usufruindo das mesmas isenções e privilégios conferidos às naus da Índia''"<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 127.</ref>. Não obstante, a medida não surtiria o efeito necessário dado o impacto da falta de disponibilidade financeira da Fábrica, verificando-se apenas o envio de dois navios a Macau<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 125-130.</ref>. Entre 1 de Fevereiro de 1745 a 31 de Outubro de 1747<ref name=":4" />, a direcção foi composta por Manuel de Sande Vasconcelos, Cristiano Stockler e Manuel Nunes da Silva Tojal, destacando-se "''a maior incidência de conflitos internos, especialmente entre os membros de sua diretoria''", bem como com Roberto Godin<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 134.</ref>. Neste período verificou-se a compra de seda crua em Bragança e Lamego, e a importação, novamente, de Espanha, bem como da China, Itália, Holanda e França. Manteve-se a problemática da acumulação de dívidas como instrumento de capitalização da Fábrica<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 136-138.</ref>. Entre 1 de Novembro de 1747 a 15 de Junho de 1750 a direcção foi composta por Rodrigo de Sande Vasconcelos, Manuel Nunes da Silva Tojal e Francisco Ferreira da Silva<ref name=":5">Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 141-142.</ref>. Neste período, a Real Fábrica "''se achava na última decadência, por falta de fundos''"<ref name=":4">Neves, 52.</ref> e a direcção "''parecia estar de 'mãos atadas' diante de suas dificuldades''", nomeadamente a incapacidade de contrair novos empréstimos<ref name=":5" />, de pagar salários e adquirir matéria prima<ref name=":6">Neves, 56.</ref>. Perante estas circunstâncias destaca-se a súplica de Roberto Godin ao poder régio, nomeadamente ao príncipe e futuro rei D. José I, para intervir e auxiliar financeiramente a Real Fábrica<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 144-149.</ref>.  


Em 1749, era expedido um aviso pelo Secretário de Estado, Marco Azevedo Coutinho, com fim de levar os diretores da Real Fábrica a assinarem termo com a obrigação "''de proverem dentro de 30 dias a fábrica de tudo o necessário''". A quebra dessas condições teria por consequência a entrega da fábrica, dos seus instrumentos e da fazenda "''a quem pertencesse, e'' [pudesse] ''dispor da conservação, e aumento da mesma fábrica''"<ref>Neves, 54.</ref>. Não se verificando a disponibilidade financeira indispensável para reforçar o capital da Fábrica, no início de 1750, procedeu-se à sua avaliação, dos seus instrumentos e fazendas simples<ref name=":1">Duarte, Gonçalves, Góis, "Demonstração do Estado da Contadoria da Real Fábrica das Sedas", 36.</ref>, da qual se concluiu que apenas existia seda para fabrico de seis semanas, uma terça parte dos teares<ref name=":6" />, e um montante total de dívida acumulada na ordem dos 86:640$700 réis<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 153.</ref>. Consequentemente, por decreto de 14 de Maio de 1750, Vasco Lourenço Veloso, negociante em Lisboa, foi investido na administração da Fábrica das Sedas de Lisboa, que passava a ser suportada financeiramente pela Real Fazenda<ref>Neves, 59-61.</ref><ref>O inventário da Real Fábrica, datado de 1766, que se inclui o número e qualidade dos teares, encontra-se disponível em Neves, 65-66.</ref>. No final da sua administração, a Fábrica continuava a apresentar perdas de capital explicadas pela acumulação de dívidas da Real Fazenda aos acionistas, relativas a valores que Vasco Veloso não pagou durante a sua administração e que totalizaram os 50:960$767 réis<ref name=":1" />. As perdas financeiras explicam-se também devido à perda de matérias-primas durante o terramoto de 1 de Novembro de 1755<ref>Neves, 73.</ref>, ainda que em virtude do mesmo a Real Fábrica tenha sido subsidiada pelo Cofre do Donativo dos 4%, criado para a recuperação da cidade de Lisboa<ref>Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 70.</ref>.    
A par da falta de fundos, o estado de decadência da Fábrica de Sedas no período da gestão privada explica-se, entre outros factores, pela incapacidade de gestão dos seus diretores e o conflito de interesses entre os mesmos, a falta de técnicos nacionais especializados, a dificuldade no acesso a tecnologias e a forte concorrência internacional no mercado das sedas<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 153-155.</ref>. A incipiente capitalização que marcou a fundação e evolução da Real Fábrica no período de gestão privada foi uma característica típica do segundo surto industrialização, que, juntamente com a improvisação das iniciativas e a falta generalizada de planeamento das mesmas, explica as limitações postas ao desenvolvimento industrial que se pretendera alcança<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 55-56.</ref>.  


No reinado de D. José., sob orientação de Sebastião José de Carvalho e Melo, a administração da Companhia transitou para a recém-criada Junta do Comércio, "''organismo dinamizador da obra económica pombalina''"<ref>Duarte, Gonçalves, Góis, "Demonstração do Estado da Contadoria da Real Fábrica das Sedas", 39.</ref>, sendo alterada a sua designação para Real Fábrica das Sedas. A Real Fábrica foi dotada de Estatutos próprios, ou "''disposições gerais estatutárias inéditas para este empreendimento industrial''"<ref name=":0" />, confirmados por alvará régio de 6 de Agosto de 1757<ref>Neves, ''Noções historicas, economicas,'' 82.</ref><ref>A indicação das produções realizadas pela Real Fábrica entre 1757 e 1769 pode ser consultada em Neves, 100-104.</ref>. A direção da Real Fábrica passava a estar subordinada à Junta do Comércio, sendo composta por quatro diretores, dois dos quais pertencentes àquela Junta e os restantes dois da Junta da Administração da Companhia Geral do Gram Pará e Maranhão, e, mais tarde, da Companhia de Pernambuco e Paraíba, "''por onde se dava saída às manufaturas da fábrica''"<ref>Neves, 91.</ref>. Foram providos nos cargos de directores João Moreira Leal, João Rodrigues Monteiro, Manuel Ferreira da Costa e José Francisco da Cruz, respectivamente<ref name=":2">Duarte, Gonçalves, Góis, "Demonstração do Estado da Contadoria da Real Fábrica das Sedas", 40.</ref>. Em 1758, acresceria um quinto lugar de diretor ocupado por Roberto Godin<ref>Neves, 83-84.</ref>, afastado da gestão da Fábrica desde a administração de Vasco Veloso<ref name=":1" />.  
Em 1749, era expedido um aviso pelo Secretário de Estado, Marco Azevedo Coutinho, com fim de levar os diretores da Real Fábrica a assinarem termo com a obrigação "''de proverem dentro de 30 dias a fábrica de tudo o necessário''". A quebra dessas condições teria por consequência a entrega da fábrica, dos seus instrumentos e da fazenda "''a quem pertencesse, e'' [pudesse] ''dispor da conservação, e aumento da mesma fábrica''"<ref>Neves, 54.</ref>. Não se verificando a disponibilidade financeira indispensável para reforçar o capital da Fábrica, no início de 1750, procedeu-se à avaliação e inventariação dos instrumentos e fazendas simples da Fábrica<ref name=":1">Duarte, Gonçalves, Góis, "Demonstração do Estado da Contadoria da Real Fábrica das Sedas", 36.</ref><ref>O inventário da Real Fábrica, datado de 1766, que se inclui o número e qualidade dos teares, encontra-se disponível em Neves, 65-66.</ref>, da qual se concluiu que apenas existia seda para seis semanas de fabrico, uma terça parte dos teares<ref name=":6" />, e um montante total de dívida acumulada na ordem dos 86:640$700 réis<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 153.</ref>. Em consequência, a Real Fábrica de Sedas transitou para a posse da Real Fazenda e, por decreto de 14 de Maio de 1750<ref>Neves, 59-61.</ref>, foi concessionada a Vasco Lourenço Veloso, negociante em Lisboa e interveniente na avaliação à Fábrica, num modelo de "''administração pública indireta''"<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 157.</ref>. A questão do acesso à matéria-prima manteve-se neste período, tendo sido feitas tentativas para desenvolver o cultivo de seda no Brasil, nomeadamente na Bahia, através da remessa de sementes de amoreira a partir de Portugal<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 164.</ref>. Durante esta gestão houve a tentativa de melhorar os quadros técnicos da Fábrica com a contratação de artífices estrangeiros como o tintureiro francês, Luís La Chapelle<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 170-171.</ref>. No final da administração de Vasco Veloso, a Fábrica continuava a apresentar perdas de capital em função da acumulação de dívidas da Real Fazenda aos acionistas, as quais não foram pagas durante aquela administração e que totalizaram os 50:960$767 réis<ref name=":1" />. As perdas financeiras explicam-se também devido à perda de matérias-primas durante o terramoto de 1 de Novembro de 1755<ref>Neves, 73.</ref>, ainda que em virtude do mesmo a Real Fábrica tenha sido subsidiada pelo Cofre do Donativo dos 4%, criado para a recuperação da cidade de Lisboa<ref>Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 70.</ref>. Por outro lado, a posição monopolística da Real Fábrica foi sendo desafiada por um movimento crescente de contrabando de sedas estrangeiras tanto em Portugal como no território brasileiro<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 166-167.</ref>.    


Segundo os Estatutos de 1757, a Real Fábrica deveria associar-se aos restantes teares existentes na cidade de Lisboa, constituindo uma corporação com a incumbência de determinar o número de teares existentes e os limites da sua produção, devendo ainda ceder um tear montado a cada incorporado<ref>Neves, 88; 90.</ref>. Foram integradas na Real Fábrica as corporações dos Fabricantes do Largo de Lavor, e, posteriormente, do Estreito e do Largo Liso<ref>Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 77.</ref>. A partir da resolução de 1811 as corporações foram extintas "''ficando livre a cada um dos indivíduos'' (...) ''a faculdade de tecer, ou mandar tecer seda como, quando, e da forma que lhes parecesse''", ainda que na obrigação de matricularem os produtos na Real Fábrica<ref>Neves, ''Noções historicas, economicas,'' 143.</ref>.   
A partir de 1757, terminada a concessão a Vasco Veloso, a Fábrica das Sedas conheceu um período de gestão direta por parte do poder régio, sendo adotada a designação de Real Fábrica das Sedas. Sob orientação de Sebastião José de Carvalho e Melo, a sua administração transitou para a recém-criada Junta do Comércio, "''organismo dinamizador da obra económica pombalina''"<ref>Duarte, Gonçalves, Góis, "Demonstração do Estado da Contadoria da Real Fábrica das Sedas", 39.</ref>, e foi dotada de Estatutos próprios, ou "''disposições gerais estatutárias inéditas para este empreendimento industrial''"<ref name=":0" />, confirmados por alvará régio de 6 de Agosto de 1757<ref>Neves, ''Noções historicas, economicas,'' 82.</ref><ref>A indicação das produções realizadas pela Real Fábrica entre 1757 e 1769 pode ser consultada em Neves, 100-104.</ref>. O funcionamento da Real Fábrica era igualmente regulado pelo ''Regimento Secretíssimo da Real Fábrica das Sedas,'' com igual data dos Estatutos, que definia, entre outros assuntos sigilosos, os preços das matérias-primas, o preço de venda das manufaturas e, os padrões, desenhos e projetos de fabrico<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 213-214.</ref>. A direção era composta por quatro diretores, dois dos quais pertencentes à Junta do Comércio e os restantes dois à Junta da Administração da Companhia Geral do Gram Pará e Maranhão, e, mais tarde, da Companhia de Pernambuco e Paraíba, "''por onde se dava saída às manufaturas da fábrica''"<ref>Neves, 91.</ref>. Foram providos nos cargos de directores João Moreira Leal, João Rodrigues Monteiro, Manuel Ferreira da Costa e José Francisco da Cruz, respectivamente<ref name=":2">Duarte, Gonçalves, Góis, "Demonstração do Estado da Contadoria da Real Fábrica das Sedas", 40.</ref>.  Em 1758, acresceria um quinto lugar de diretor ocupado por Roberto Godin<ref>Neves, 83-84.</ref>, afastado da gestão da Fábrica desde a administração de Vasco Veloso<ref name=":1" />.   
 
Segundo os Estatutos de 1757, a Real Fábrica mantinha a isenção de direitos quanto às matérias-primas necessárias à sua produção e às manufaturas produzidas. Definia-se a associação daquela aos restantes teares da cidade de Lisboa, constituindo uma corporação com a incumbência de determinar o número de teares existentes e os limites da sua produção, pelo que "''todos os teares numerados passariam a usufruir dos privilégios concedidos à Real Fábrica das Sedas''"<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 228.</ref>. Foram integradas na Real Fábrica as corporações dos Fabricantes do Largo de Lavor, e, posteriormente, do Estreito e do Largo Liso<ref>Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 77.</ref>. De forma a auxiliar os artífices incorporados, a Real Fábrica deveria ceder um tear montado a cada um, ou facilitar a aquisição de instrumentos ou matéria-prima, definindo-se, em ambos os casos, a restituição posterior do capital dispendido aquando da venda da manufatura junto da Fábrica<ref>Neves, 88; 90.</ref><ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 229-230.</ref>. Por outro lado, com o fim de "''constituir um sistema monopolista local, centralizando a fabricação e comercialização das sedas unicamente nas mãos da Real Fábrica das Sedas''", estabeleceu-se que toda a seda produzida no reino fosse vendida pelo mesmo preço ao Armazém Geral da Administração da Real Fábrica das Sedas<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 230.</ref>. A partir da resolução de 1811 as corporações foram extintas "''ficando livre a cada um dos indivíduos'' (...) ''a faculdade de tecer, ou mandar tecer seda como, quando, e da forma que lhes parecesse''", ainda que na obrigação de matricularem os produtos na Real Fábrica<ref>Neves, ''Noções historicas, economicas,'' 143.</ref>.   


A partir de 1770 e até 1777, data do falecimento de D. José I, a Real Fábrica iniciou um período de prosperidade, tendo consolidado "''uma posição cimeira na produção das sedas''"<ref>Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 61.</ref> e sustentado "''o século de ouro da nossa indústria, e principalmente das manufaturas de seda em Lisboa''"<ref>Neves, ''Noções historicas, economicas,'' 107.</ref><ref>O balanço da produção entre 1770 e 1775 pode ser consultado em Neves, 110.</ref> como referenciou Acúrsio das Neves. O período de prosperidade terminou com o início do reinado de D. Maria I, durante o qual se verificou a diminuição da "''ação do Governo,'' [tendo-se suspendido] ''também os subsídios pecuniários para as fábricas''"<ref>Neves, 288.</ref>.     
A partir de 1770 e até 1777, data do falecimento de D. José I, a Real Fábrica iniciou um período de prosperidade, tendo consolidado "''uma posição cimeira na produção das sedas''"<ref>Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 61.</ref> e sustentado "''o século de ouro da nossa indústria, e principalmente das manufaturas de seda em Lisboa''"<ref>Neves, ''Noções historicas, economicas,'' 107.</ref><ref>O balanço da produção entre 1770 e 1775 pode ser consultado em Neves, 110.</ref> como referenciou Acúrsio das Neves. O período de prosperidade terminou com o início do reinado de D. Maria I, durante o qual se verificou a diminuição da "''ação do Governo,'' [tendo-se suspendido] ''também os subsídios pecuniários para as fábricas''"<ref>Neves, 288.</ref>.     


Em 1777, a Direcção da Real Fábrica era extinta, ficando a Fábrica debaixo da superintendência de nova Junta da administração das fábricas do reino. Presidida pelo Inspector Geral, a atuação da Junta seguiu "''uma nova estratégia por parte da Coroa, no sentido de alienar as fábricas menos rentáveis''"<ref>Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 61.</ref>, pelo que procedeu à redução das fábricas anexas e dos "''estabelecimentos próprios da fábrica principal, como o da manufatura das meias''"<ref>Neves, ''Noções historicas, economicas,'' 303-304.</ref>, compatibilizando-a com o diminuto orçamento de que passara a dispor e as dívidas que acumulara.     
Em 1777, a direção da Real Fábrica era extinta, ficando esta superintendida pela nova Junta da administração das fábricas do reino. Presidida pelo Inspector Geral, a atuação da Junta seguiu "''uma nova estratégia por parte da Coroa, no sentido de alienar as fábricas menos rentáveis''"<ref>Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 61.</ref>, pelo que procedeu à redução das fábricas anexas e dos "''estabelecimentos próprios da fábrica principal, como o da manufatura das meias''"<ref>Neves, ''Noções historicas, economicas,'' 303-304.</ref>, compatibilizando-a com o diminuto orçamento de que passara a dispor e as dívidas que acumulara.     


Em 1786, o relatório da Junta da administração das fábricas acusava o decaimento da Real Fábrica das Sedas<ref>Neves, 315-319.</ref>. Dois anos depois, a Junta da administração era extinta e reestabelecidas a antiga Junta do Comércio, sob designação Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, e a Direcção da Real Fábrica, constituída juntamente com a administração das obras de Águas Livres e da Real Fábrica das Cartas de Jogar, sob o título Direcção da Real Fábrica das sedas, e Obras de Águas Livres, a qual "''salvou a fábrica do precipício [e] deu-lhe um grande impulso''"<ref>Neves, 326. Vide a composição da Direcção em Neves'','' 327.</ref> <ref>Os movimentos de venda pela Real Fábrica podem ser consultados em Neves'','' 336-339.</ref>.     
Em 1786, o relatório da Junta da administração das fábricas acusava o decaimento da Real Fábrica das Sedas<ref>Neves, 315-319.</ref>. Dois anos depois, a Junta da administração era extinta e reestabelecidas a antiga Junta do Comércio, sob designação Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, e a direção da Real Fábrica, constituída juntamente com a administração das obras de Águas Livres e da Real Fábrica das Cartas de Jogar, sob o título direcção da Real Fábrica das sedas, e Obras de Águas Livres, a qual "''salvou a fábrica do precipício [e] deu-lhe um grande impulso''"<ref>Neves, 326. Vide a composição da Direcção em Neves'','' 327.</ref> <ref>Os movimentos de venda pela Real Fábrica podem ser consultados em Neves'','' 336-339.</ref>.     


A partir de 1823 a Real Fábrica era novamente subsidiada pelos poderes públicos e, em 1827, mantinha-se sem aumento de dívida<ref>Neves, 394-395.</ref>. Não obstante, em 6 de Agosto de 1833, a Direção da Real Fábrica de Sedas e Obras de Águas Livres era demitida por decreto<ref>Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 62.</ref>, data que adotamos como data de extinção da instituição, e, por portaria de 27 de Julho de 1835, era ordenada a venda dos bens da Real Fábrica em hasta pública<ref>Magalhães, 73.</ref>.   
A partir de 1823, a Real Fábrica era novamente subsidiada pelos poderes públicos e, em 1827, mantinha-se sem aumento de dívida<ref>Neves, 394-395.</ref>. Não obstante, em 6 de Agosto de 1833, a direção da Real Fábrica de Sedas e Obras de Águas Livres era demitida por decreto<ref>Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 62.</ref>. Adotamos esta data como a da extinção da instituição uma vez que, por portaria de 27 de Julho de 1835, foi ordenada a venda dos bens da Real Fábrica em hasta pública<ref>Magalhães, 73.</ref>.   


===Outras informações===<!--é o local onde cabe tudo o que não se relaciona especificamente com os dois parâmetros anteriores-->       
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Inicialmente estabelecida no "''sítio da Fonte Santa''", na localidade dos Prazeres, a Real Fábrica transitaria primeiro para a "''horta do Bedió''", na rua de S. Bento, e, em 1741, para o "''subúrbio do Rato''", em edifício construído entre 1735 e 1740. Neste empreendimento foi dispendido metade do capital disponível, "''inviabilizando futuros investimentos em suas atividades de produção''"'','' o que explica as dificuldades financeiras verificadas nas primeiras décadas do funcionamento da Fábrica<ref>Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 49-50.</ref><ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 115.</ref>.     
Inicialmente estabelecida no "''sítio da Fonte Santa''", na localidade dos Prazeres, a Real Fábrica transitaria primeiro para a "''horta do Bedió''", na rua de S. Bento, e, em 1741, para o "''subúrbio do Rato''", em edifício construído entre 1735 e 1740. Neste empreendimento foi dispendido metade do capital disponível, "''inviabilizando futuros investimentos em suas atividades de produção''"'','' o que explica as dificuldades financeiras verificadas nas primeiras décadas do funcionamento da Fábrica<ref>Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 49-50.</ref><ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 115.</ref>.     


Na Real Fábrica das Sedas estavam integradas várias fábricas anexas chegando a totalizar o número de 10. Nomeadamente, duas tinturarias, uma fábrica de urzela, uma calandreira<ref>Magalhães, 159-160.</ref>, bem como de pentes de marfim, de relojoaria, de serralharia, de botões, de caixas de cartão e verniz, de fundição de metais, de louça, de chapéus e limas<ref name=":2" />. As instalações de tinturaria, estabelecidas aquando da instalação da Fábrica, foram dirigida por Luís La Chapelle, tintureiro francês, e, posteriormente, deslocadas para a Quinta do Sargento mor, junto à ribeira de Alcantara<ref>Magalhães, 148.</ref>. A evolução da Real Fábrica determinou que "''de uma simples unidade fabril monotípica''" se convertesse num "''centro pluricelular, coordenador e distribuidor das actividades de numerosas oficinas''"<ref>Atente-se na multiplicidade de produtos manufacturados nas dependências da Real Fábrica: "pentes em marfim, caixas de papelão, cartas de jogar, vernizes, lacres, louça, chapéus, relógios, botões, lenços, sinos, cutelaria, limas, tapeçarias, objectos e peças de serralharia, etc". Vide, Magalhães, 69-70.</ref>.     
Na Real Fábrica das Sedas estavam integradas várias fábricas anexas chegando a totalizar o número de 10. Nomeadamente, duas tinturarias, uma fábrica de urzela, uma calandreira<ref>Magalhães, 159-160.</ref>, bem como de pentes de marfim, de relojoaria, de serralharia, de botões, de caixas de cartão e verniz, de fundição de metais, de louça, de chapéus e limas<ref name=":2" />. As instalações de tinturaria, estabelecidas aquando da instalação da Fábrica, foram dirigida por Luís La Chapelle a partir de 1753, e, posteriormente, deslocadas para a Quinta do Sargento mor, junto à ribeira de Alcantara<ref>Magalhães, 148.</ref>. A evolução da Real Fábrica determinou que "''de uma simples unidade fabril monotípica''" se convertesse num "''centro pluricelular, coordenador e distribuidor das actividades de numerosas oficinas''"<ref>Atente-se na multiplicidade de produtos manufacturados nas dependências da Real Fábrica: "pentes em marfim, caixas de papelão, cartas de jogar, vernizes, lacres, louça, chapéus, relógios, botões, lenços, sinos, cutelaria, limas, tapeçarias, objectos e peças de serralharia, etc". Vide, Magalhães, 69-70.</ref>.     


A produção da Real Fábrica era assistida por aprendizes, preferencialmente portugueses, que, a partir de 1757, estavam obrigados a permanecer por um período de cinco anos sob orientação dos seus mestres<ref>Neves, ''Noções historicas, economicas,'' 36; 89.</ref>. A partir de 1769, os aprendizes habitavam em casas construídas pela Real Fábrica, conjugando-se na mesma geografia, à qual, segundo José Acúrsio das Neves, o Marquês de Pombal se referia como "''Real Colégio de manufaturas nacionais''"<ref>Neves, 95.</ref>, dada a instrução generalizada em todas as fábricas sob a gestão da Real Fábrica das Sedas<ref>Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 75.</ref>.
A produção da Real Fábrica era assistida por aprendizes, preferencialmente portugueses, que, a partir de 1757, estavam obrigados a permanecer por um período de cinco anos sob orientação dos seus mestres<ref>Neves, ''Noções historicas, economicas,'' 36; 89.</ref>. A partir de 1769, os aprendizes habitavam em casas construídas pela Real Fábrica, conjugando-se na mesma geografia, à qual, segundo José Acúrsio das Neves, o Marquês de Pombal se referia como "''Real Colégio de manufaturas nacionais''"<ref>Neves, 95.</ref>, dada a instrução generalizada em todas as fábricas sob a gestão da Real Fábrica das Sedas<ref>Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 75.</ref>.
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Entre 1757, data da incorporação da Fábrica na Real Fazenda, e 1777, a contabilidade do empreendimento foi assegurada pela contadoria da Real Fábrica das Sedas, dirigida pelo guarda-livros principal que era coadjuvado por oficiais e praticantes de contabilidade. Nesse período, ocuparam o lugar de guarda-livros principal: o alemão Conrado Bartolomeu Riegge entre 1757 e 1765, cuja nomeação se justificava pela "''circunstância de os portugueses'' (...) ''possuírem saberes muito escassos no que se pretendia com a escrituração por partidas dobradas, muito particularmente porque ainda não havia sido fundada me Portugal a primeira escola de contabilidade'' (...) ''a Aula do Comércio de Lisboa''"; Joaquim José dos Santos entre 1765 e 1769; António Joaquim Firmo de Sousa entre 1769 e 1771; e Luciano António Teixeira Negrão entre 1771 e 1777. Os três últimos apresentavam já diploma pela Aula do Comércio de Lisboa<ref>Duarte, Gonçalves, Góis, "Demonstração do Estado da Contadoria da Real Fábrica das Sedas", 46.</ref>.             
Entre 1757, data da incorporação da Fábrica na Real Fazenda, e 1777, a contabilidade do empreendimento foi assegurada pela contadoria da Real Fábrica das Sedas, dirigida pelo guarda-livros principal que era coadjuvado por oficiais e praticantes de contabilidade. Nesse período, ocuparam o lugar de guarda-livros principal: o alemão Conrado Bartolomeu Riegge entre 1757 e 1765, cuja nomeação se justificava pela "''circunstância de os portugueses'' (...) ''possuírem saberes muito escassos no que se pretendia com a escrituração por partidas dobradas, muito particularmente porque ainda não havia sido fundada me Portugal a primeira escola de contabilidade'' (...) ''a Aula do Comércio de Lisboa''"; Joaquim José dos Santos entre 1765 e 1769; António Joaquim Firmo de Sousa entre 1769 e 1771; e Luciano António Teixeira Negrão entre 1771 e 1777. Os três últimos apresentavam já diploma pela Aula do Comércio de Lisboa<ref>Duarte, Gonçalves, Góis, "Demonstração do Estado da Contadoria da Real Fábrica das Sedas", 46.</ref>.             


A Real Fábrica das Sedas estabeleceu uma ligação consistente com o mercado brasileiro. No período da primeira direcção realizaram-se 10 carregamentos destinados, em particular, às praças mercantis do Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia. Apesar de "''pouco expressivo''" durante a primeira direcção, o mercado brasileiro permitiu diminuir as dificuldades financeiras da Fábrica<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 131-133.</ref>. Novamente durante a terceira direcção os mercados brasileiros foram vistos como solução para a difícil situação financeira da Fábrica, ainda que apenas tenham sido remetidos dois carregamentos para o Rio de Janeiro e Pernambuco<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 142.</ref>.       
A Real Fábrica das Sedas estabeleceu uma ligação consistente com o mercado brasileiro. No período da primeira direcção realizaram-se 10 carregamentos destinados, em particular, às praças mercantis do Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia. Apesar de "''pouco expressivo''" durante a primeira direcção, o mercado brasileiro permitiu diminuir as dificuldades financeiras da Fábrica<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 131-133.</ref>. Novamente durante a terceira direcção os mercados brasileiros foram vistos como solução para a difícil situação financeira da Fábrica, ainda que apenas tenham sido remetidos dois carregamentos para o Rio de Janeiro e Pernambuco<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 142.</ref>. Durante a gestão de Vasco Lourenço Veloso "''foram criadas novas redes comerciais'' (...) ''em que figuravam outros negociantes''", distintos dos que haviam negociado com a Real Fábrica durante o período da gestão privada, entre os quais aparecem reforçados os contatos com o Rio de Janeiro e, em particular, com a Casa de Negócios Faustino de Lima e Companhia. Na relação comercial com a América portuguesa surgiram dificuldades colocadas pelos direitos a pagar na exportação, que aumentando o preço final, tornavam difícil a concorrência com as sedas estrangeiras<ref>Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 162-163.</ref>.       


==Notas==<!-- As notas e a bibliografia que foi, de facto, usada para construir a informação. Atenção: Chicago full note with bibliography-->
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Revisão das 18h54min de 12 de outubro de 2023


Real Fábrica das Sedas
(valor desconhecido)
Outras denominações Fábrica das Sedas de Lisboa, Companhia da Fábrica das Sedas, Real Fábrica das Sedas do Rato, Real Fábrica das Sedas de Lisboa
Tipo de Instituição Profissional, Ensino Civil
Data de fundação 13 fevereiro 1734
Data de extinção 6 agosto 1833
Paralisação
Início: valor desconhecido
Fim: valor desconhecido
Localização
Localização Prazeres, Lisboa,-
Início: 1734

Localização Real Fábrica das Sedas, Lisboa,-
Início: 1741
Fim: 06 de agosto de 1833
Antecessora valor desconhecido

Sucessora valor desconhecido


História

A Companhia da Fábrica das Sedas, e mais tarde Real Fábrica das Sedas (1757)[1], foi constituída em 13 de Fevereiro de 1734, data da autorização concedida a Roberto Godin, francês, em resultado da sua súplica a D. João V, com fim de estabelecer "fábricas de lavrar sedas com ouro, prata, e matizes, e de outras diferentes qualidades"[2]. A constituição da Real Fábrica enquadra-se no segundo surto de industrialização portuguesa (1720-1740) sustentado na iniciativa privada de negociantes portugueses e estrangeiros, bem como na capacidade técnica de artífices estrangeiros imigrados no reino[3]. A autorização dada a Roberto Godin determinava o monopólio sobre a constituição de fábricas semelhantes no Reino, por um período de 20 anos, sem que qualquer outra pessoa pudesse "sem intervenção, ou licença do suplicante estabelecer de novo neste reino, e suas conquistas alguma outra fábrica de semelhantes manufaturas"[4]. Entre estas manufaturas incluía-se igualmente a produção de seda com "veludos, damascos, primaveras, gorgorões lizos, e lavrados, brocateis, chamalotes, setins, peluças, nobrezas, tafetás, meias, galões de ouro, prata, ou de seda com linha"[4]. Dada a dimensão alcançada pela Real Fábrica, esta "é, por norma, considerada pela literatura da especialidade como a maior manufatura industrial do seu tempo"[1].

A autorização régia estabelecia ainda a isenção, por um período de 10 anos, do pagamento de direitos sobre toda a seda importada de dentro ou fora do reino para os trabalhos da Real Fábrica, com preferência sobre as primeiras, bem como, sobre quaisquer instrumentos ou materiais necessários à sua construção e produção[5]. De igual forma e por período de 10 anos, as manufaturas produzidas na Real Fábrica e consumidas no reino estavam isentas de direitos[6]. Esta condição traduz uma política protecionista do mercado interno ao procurar que "o preço fosse mais acessível para o consumo local e, ao mesmo tempo, competitivo em relação às manufaturas de origem estrangeira". O mesmo não se verificava para a exportação, a qual ao encontrar-se sujeita ao pagamento de direitos "estancava a possibilidade da entrada de riquezas estrangeiras para Portugal"[7]. Entre as condições ao estabelecimento da Fábrica de Sedas observe-se ainda a obrigação de se contratarem aprendizes portugueses por forma a "reduzir com o tempo a dependência da técnica estrangeira"[8]. A Real Fábrica ficava sujeita à fiscalização do Conselho de Fazenda, devendo ser observado o regulamento próprio[9].

Verificada a incapacidade de Roberto Godin em apresentar todo o capital necessário à constituição da Real Fábrica, foi constituída uma sociedade comercial que reuniu os investimentos de "Manuel Nunes da Silva Tojal, Manuel de Sande de Vasconcelos, Francisco Xavier Ferraz de Oliveira, João da Costa Carneiro, Manuel da Costa Pinheiro, Domingos da Silva Vieira, D. Gabriel António Gomes, Cristiano Stockler, e Domingos da Cruz Lisboa". Foi lavrada escritura em 4 de Outubro de 1734, com um financiamento de 60:400$000 réis[10][11]. Era estabelecida uma direcção composta por três membros encarregues da compra das matérias-primas, da venda das peças, da vinda de artífices, do pagamento de salários e do balanço financeiro da Fábrica[12]. Assinala-se a colaboração de Luís Terrier, fabricante francês, na constituição da Fábrica, em particular, na armação de diversos teares, na sua participação na administração e na instrução de aprendizes, até 1783, data do seu falecimento[13]. Entre 1738 e 1770, também o fabricante francês Estevão Giungú se associou à Real Fábrica pela armação de teares de damasco de ouro, feito que levou à sua nomeação para contramestre[14].

No período da gestão privada a Fábrica das Sedas conheceu três direções. Entre 5 de Outubro de 1734 a 31 de Janeiro de 1745[15], a direcção foi composta por Manuel Nunes da Silva Tojal, Francisco Ferraz de Oliveira e Domingos da Silva Vieira[16]. Desta primeira direcção destaca-se o acumular de "grandes perdas; de forma que no fim dela os materiais, e fazendas existentes, e as dívidas ativas apenas compensavam o dinheiro tomado a juro"[15]. A situação financeira débil explica-se pelas dívidas contraídas para a construção do edifício no Rato, para a aquisição da matéria-prima e de equipamentos, bem como na contratação de artífices[17]. Acresciam ainda dificuldades na obtenção da matéria-prima no mercado interno, resultando na dependência da importação de seda espanhola. Para a resolução dessa questão, em 1741, constituía-se uma companhia comercial com o objetivo de facilitar o acesso ao mercado de sedas de Macau "usufruindo das mesmas isenções e privilégios conferidos às naus da Índia"[18]. Não obstante, a medida não surtiria o efeito necessário dado o impacto da falta de disponibilidade financeira da Fábrica, verificando-se apenas o envio de dois navios a Macau[19]. Entre 1 de Fevereiro de 1745 a 31 de Outubro de 1747[15], a direcção foi composta por Manuel de Sande Vasconcelos, Cristiano Stockler e Manuel Nunes da Silva Tojal, destacando-se "a maior incidência de conflitos internos, especialmente entre os membros de sua diretoria", bem como com Roberto Godin[20]. Neste período verificou-se a compra de seda crua em Bragança e Lamego, e a importação, novamente, de Espanha, bem como da China, Itália, Holanda e França. Manteve-se a problemática da acumulação de dívidas como instrumento de capitalização da Fábrica[21]. Entre 1 de Novembro de 1747 a 15 de Junho de 1750 a direcção foi composta por Rodrigo de Sande Vasconcelos, Manuel Nunes da Silva Tojal e Francisco Ferreira da Silva[22]. Neste período, a Real Fábrica "se achava na última decadência, por falta de fundos"[15] e a direcção "parecia estar de 'mãos atadas' diante de suas dificuldades", nomeadamente a incapacidade de contrair novos empréstimos[22], de pagar salários e adquirir matéria prima[23]. Perante estas circunstâncias destaca-se a súplica de Roberto Godin ao poder régio, nomeadamente ao príncipe e futuro rei D. José I, para intervir e auxiliar financeiramente a Real Fábrica[24].

A par da falta de fundos, o estado de decadência da Fábrica de Sedas no período da gestão privada explica-se, entre outros factores, pela incapacidade de gestão dos seus diretores e o conflito de interesses entre os mesmos, a falta de técnicos nacionais especializados, a dificuldade no acesso a tecnologias e a forte concorrência internacional no mercado das sedas[25]. A incipiente capitalização que marcou a fundação e evolução da Real Fábrica no período de gestão privada foi uma característica típica do segundo surto industrialização, que, juntamente com a improvisação das iniciativas e a falta generalizada de planeamento das mesmas, explica as limitações postas ao desenvolvimento industrial que se pretendera alcança[26].

Em 1749, era expedido um aviso pelo Secretário de Estado, Marco Azevedo Coutinho, com fim de levar os diretores da Real Fábrica a assinarem termo com a obrigação "de proverem dentro de 30 dias a fábrica de tudo o necessário". A quebra dessas condições teria por consequência a entrega da fábrica, dos seus instrumentos e da fazenda "a quem pertencesse, e [pudesse] dispor da conservação, e aumento da mesma fábrica"[27]. Não se verificando a disponibilidade financeira indispensável para reforçar o capital da Fábrica, no início de 1750, procedeu-se à avaliação e inventariação dos instrumentos e fazendas simples da Fábrica[28][29], da qual se concluiu que apenas existia seda para seis semanas de fabrico, uma terça parte dos teares[23], e um montante total de dívida acumulada na ordem dos 86:640$700 réis[30]. Em consequência, a Real Fábrica de Sedas transitou para a posse da Real Fazenda e, por decreto de 14 de Maio de 1750[31], foi concessionada a Vasco Lourenço Veloso, negociante em Lisboa e interveniente na avaliação à Fábrica, num modelo de "administração pública indireta"[32]. A questão do acesso à matéria-prima manteve-se neste período, tendo sido feitas tentativas para desenvolver o cultivo de seda no Brasil, nomeadamente na Bahia, através da remessa de sementes de amoreira a partir de Portugal[33]. Durante esta gestão houve a tentativa de melhorar os quadros técnicos da Fábrica com a contratação de artífices estrangeiros como o tintureiro francês, Luís La Chapelle[34]. No final da administração de Vasco Veloso, a Fábrica continuava a apresentar perdas de capital em função da acumulação de dívidas da Real Fazenda aos acionistas, as quais não foram pagas durante aquela administração e que totalizaram os 50:960$767 réis[28]. As perdas financeiras explicam-se também devido à perda de matérias-primas durante o terramoto de 1 de Novembro de 1755[35], ainda que em virtude do mesmo a Real Fábrica tenha sido subsidiada pelo Cofre do Donativo dos 4%, criado para a recuperação da cidade de Lisboa[36]. Por outro lado, a posição monopolística da Real Fábrica foi sendo desafiada por um movimento crescente de contrabando de sedas estrangeiras tanto em Portugal como no território brasileiro[37].

A partir de 1757, terminada a concessão a Vasco Veloso, a Fábrica das Sedas conheceu um período de gestão direta por parte do poder régio, sendo adotada a designação de Real Fábrica das Sedas. Sob orientação de Sebastião José de Carvalho e Melo, a sua administração transitou para a recém-criada Junta do Comércio, "organismo dinamizador da obra económica pombalina"[38], e foi dotada de Estatutos próprios, ou "disposições gerais estatutárias inéditas para este empreendimento industrial"[1], confirmados por alvará régio de 6 de Agosto de 1757[39][40]. O funcionamento da Real Fábrica era igualmente regulado pelo Regimento Secretíssimo da Real Fábrica das Sedas, com igual data dos Estatutos, que definia, entre outros assuntos sigilosos, os preços das matérias-primas, o preço de venda das manufaturas e, os padrões, desenhos e projetos de fabrico[41]. A direção era composta por quatro diretores, dois dos quais pertencentes à Junta do Comércio e os restantes dois à Junta da Administração da Companhia Geral do Gram Pará e Maranhão, e, mais tarde, da Companhia de Pernambuco e Paraíba, "por onde se dava saída às manufaturas da fábrica"[42]. Foram providos nos cargos de directores João Moreira Leal, João Rodrigues Monteiro, Manuel Ferreira da Costa e José Francisco da Cruz, respectivamente[43]. Em 1758, acresceria um quinto lugar de diretor ocupado por Roberto Godin[44], afastado da gestão da Fábrica desde a administração de Vasco Veloso[28].

Segundo os Estatutos de 1757, a Real Fábrica mantinha a isenção de direitos quanto às matérias-primas necessárias à sua produção e às manufaturas produzidas. Definia-se a associação daquela aos restantes teares da cidade de Lisboa, constituindo uma corporação com a incumbência de determinar o número de teares existentes e os limites da sua produção, pelo que "todos os teares numerados passariam a usufruir dos privilégios concedidos à Real Fábrica das Sedas"[45]. Foram integradas na Real Fábrica as corporações dos Fabricantes do Largo de Lavor, e, posteriormente, do Estreito e do Largo Liso[46]. De forma a auxiliar os artífices incorporados, a Real Fábrica deveria ceder um tear montado a cada um, ou facilitar a aquisição de instrumentos ou matéria-prima, definindo-se, em ambos os casos, a restituição posterior do capital dispendido aquando da venda da manufatura junto da Fábrica[47][48]. Por outro lado, com o fim de "constituir um sistema monopolista local, centralizando a fabricação e comercialização das sedas unicamente nas mãos da Real Fábrica das Sedas", estabeleceu-se que toda a seda produzida no reino fosse vendida pelo mesmo preço ao Armazém Geral da Administração da Real Fábrica das Sedas[49]. A partir da resolução de 1811 as corporações foram extintas "ficando livre a cada um dos indivíduos (...) a faculdade de tecer, ou mandar tecer seda como, quando, e da forma que lhes parecesse", ainda que na obrigação de matricularem os produtos na Real Fábrica[50].

A partir de 1770 e até 1777, data do falecimento de D. José I, a Real Fábrica iniciou um período de prosperidade, tendo consolidado "uma posição cimeira na produção das sedas"[51] e sustentado "o século de ouro da nossa indústria, e principalmente das manufaturas de seda em Lisboa"[52][53] como referenciou Acúrsio das Neves. O período de prosperidade terminou com o início do reinado de D. Maria I, durante o qual se verificou a diminuição da "ação do Governo, [tendo-se suspendido] também os subsídios pecuniários para as fábricas"[54].

Em 1777, a direção da Real Fábrica era extinta, ficando esta superintendida pela nova Junta da administração das fábricas do reino. Presidida pelo Inspector Geral, a atuação da Junta seguiu "uma nova estratégia por parte da Coroa, no sentido de alienar as fábricas menos rentáveis"[55], pelo que procedeu à redução das fábricas anexas e dos "estabelecimentos próprios da fábrica principal, como o da manufatura das meias"[56], compatibilizando-a com o diminuto orçamento de que passara a dispor e as dívidas que acumulara.

Em 1786, o relatório da Junta da administração das fábricas acusava o decaimento da Real Fábrica das Sedas[57]. Dois anos depois, a Junta da administração era extinta e reestabelecidas a antiga Junta do Comércio, sob designação Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, e a direção da Real Fábrica, constituída juntamente com a administração das obras de Águas Livres e da Real Fábrica das Cartas de Jogar, sob o título direcção da Real Fábrica das sedas, e Obras de Águas Livres, a qual "salvou a fábrica do precipício [e] deu-lhe um grande impulso"[58] [59].

A partir de 1823, a Real Fábrica era novamente subsidiada pelos poderes públicos e, em 1827, mantinha-se sem aumento de dívida[60]. Não obstante, em 6 de Agosto de 1833, a direção da Real Fábrica de Sedas e Obras de Águas Livres era demitida por decreto[61]. Adotamos esta data como a da extinção da instituição uma vez que, por portaria de 27 de Julho de 1835, foi ordenada a venda dos bens da Real Fábrica em hasta pública[62].

Outras informações

Inicialmente estabelecida no "sítio da Fonte Santa", na localidade dos Prazeres, a Real Fábrica transitaria primeiro para a "horta do Bedió", na rua de S. Bento, e, em 1741, para o "subúrbio do Rato", em edifício construído entre 1735 e 1740. Neste empreendimento foi dispendido metade do capital disponível, "inviabilizando futuros investimentos em suas atividades de produção", o que explica as dificuldades financeiras verificadas nas primeiras décadas do funcionamento da Fábrica[63][64].

Na Real Fábrica das Sedas estavam integradas várias fábricas anexas chegando a totalizar o número de 10. Nomeadamente, duas tinturarias, uma fábrica de urzela, uma calandreira[65], bem como de pentes de marfim, de relojoaria, de serralharia, de botões, de caixas de cartão e verniz, de fundição de metais, de louça, de chapéus e limas[43]. As instalações de tinturaria, estabelecidas aquando da instalação da Fábrica, foram dirigida por Luís La Chapelle a partir de 1753, e, posteriormente, deslocadas para a Quinta do Sargento mor, junto à ribeira de Alcantara[66]. A evolução da Real Fábrica determinou que "de uma simples unidade fabril monotípica" se convertesse num "centro pluricelular, coordenador e distribuidor das actividades de numerosas oficinas"[67].

A produção da Real Fábrica era assistida por aprendizes, preferencialmente portugueses, que, a partir de 1757, estavam obrigados a permanecer por um período de cinco anos sob orientação dos seus mestres[68]. A partir de 1769, os aprendizes habitavam em casas construídas pela Real Fábrica, conjugando-se na mesma geografia, à qual, segundo José Acúrsio das Neves, o Marquês de Pombal se referia como "Real Colégio de manufaturas nacionais"[69], dada a instrução generalizada em todas as fábricas sob a gestão da Real Fábrica das Sedas[70].

Em 1764, João Maria Policarpo May era contratado para debuxador da Real Fábrica e encarregue de instituir uma Aula de Debuxo anexa àquela. Os alunos admitidos deveriam realizar exame e ser aprovados pela Direção da Real Fábrica[71]. Em 1795, Joaquim Pedro Sanches foi colocado como primeiro professor, sendo nomeado no lugar de professor substituto, José Francisco da Costa, permanecendo ambos em funções até 1800 quando a Aula foi abolida "por se considerar desnecessária, em razão de irem decaindo da moda as antigas sedas de ricos lavores". Não obstante, a Aula foi restabelecida em 1811, e manteve-se até 1813, data em que faleceu o seu professor, Joaquim Pedro Sanches[72].

Entre 1757, data da incorporação da Fábrica na Real Fazenda, e 1777, a contabilidade do empreendimento foi assegurada pela contadoria da Real Fábrica das Sedas, dirigida pelo guarda-livros principal que era coadjuvado por oficiais e praticantes de contabilidade. Nesse período, ocuparam o lugar de guarda-livros principal: o alemão Conrado Bartolomeu Riegge entre 1757 e 1765, cuja nomeação se justificava pela "circunstância de os portugueses (...) possuírem saberes muito escassos no que se pretendia com a escrituração por partidas dobradas, muito particularmente porque ainda não havia sido fundada me Portugal a primeira escola de contabilidade (...) a Aula do Comércio de Lisboa"; Joaquim José dos Santos entre 1765 e 1769; António Joaquim Firmo de Sousa entre 1769 e 1771; e Luciano António Teixeira Negrão entre 1771 e 1777. Os três últimos apresentavam já diploma pela Aula do Comércio de Lisboa[73].

A Real Fábrica das Sedas estabeleceu uma ligação consistente com o mercado brasileiro. No período da primeira direcção realizaram-se 10 carregamentos destinados, em particular, às praças mercantis do Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia. Apesar de "pouco expressivo" durante a primeira direcção, o mercado brasileiro permitiu diminuir as dificuldades financeiras da Fábrica[74]. Novamente durante a terceira direcção os mercados brasileiros foram vistos como solução para a difícil situação financeira da Fábrica, ainda que apenas tenham sido remetidos dois carregamentos para o Rio de Janeiro e Pernambuco[75]. Durante a gestão de Vasco Lourenço Veloso "foram criadas novas redes comerciais (...) em que figuravam outros negociantes", distintos dos que haviam negociado com a Real Fábrica durante o período da gestão privada, entre os quais aparecem reforçados os contatos com o Rio de Janeiro e, em particular, com a Casa de Negócios Faustino de Lima e Companhia. Na relação comercial com a América portuguesa surgiram dificuldades colocadas pelos direitos a pagar na exportação, que aumentando o preço final, tornavam difícil a concorrência com as sedas estrangeiras[76].

Notas

  1. 1,0 1,1 1,2 Duarte, Gonçalves, Góis, "Demonstração do Estado da Contadoria da Real Fábrica das Sedas", 33.
  2. Neves, Noções historicas, economicas, 26.
  3. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 53-54.
  4. 4,0 4,1 Neves, 27.
  5. Neves, 30; 33.
  6. Neves, 32.
  7. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 101-102.
  8. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 102.
  9. Neves, 35-36.
  10. Neves, 48-49.
  11. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 103-104.
  12. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 104-105.
  13. Neves, 50-51.
  14. Neves, 51-52.
  15. 15,0 15,1 15,2 15,3 Neves, 52.
  16. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 116.
  17. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 124.
  18. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 127.
  19. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 125-130.
  20. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 134.
  21. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 136-138.
  22. 22,0 22,1 Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 141-142.
  23. 23,0 23,1 Neves, 56.
  24. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 144-149.
  25. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 153-155.
  26. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 55-56.
  27. Neves, 54.
  28. 28,0 28,1 28,2 Duarte, Gonçalves, Góis, "Demonstração do Estado da Contadoria da Real Fábrica das Sedas", 36.
  29. O inventário da Real Fábrica, datado de 1766, que se inclui o número e qualidade dos teares, encontra-se disponível em Neves, 65-66.
  30. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 153.
  31. Neves, 59-61.
  32. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 157.
  33. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 164.
  34. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 170-171.
  35. Neves, 73.
  36. Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 70.
  37. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 166-167.
  38. Duarte, Gonçalves, Góis, "Demonstração do Estado da Contadoria da Real Fábrica das Sedas", 39.
  39. Neves, Noções historicas, economicas, 82.
  40. A indicação das produções realizadas pela Real Fábrica entre 1757 e 1769 pode ser consultada em Neves, 100-104.
  41. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 213-214.
  42. Neves, 91.
  43. 43,0 43,1 Duarte, Gonçalves, Góis, "Demonstração do Estado da Contadoria da Real Fábrica das Sedas", 40.
  44. Neves, 83-84.
  45. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 228.
  46. Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 77.
  47. Neves, 88; 90.
  48. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 229-230.
  49. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 230.
  50. Neves, Noções historicas, economicas, 143.
  51. Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 61.
  52. Neves, Noções historicas, economicas, 107.
  53. O balanço da produção entre 1770 e 1775 pode ser consultado em Neves, 110.
  54. Neves, 288.
  55. Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 61.
  56. Neves, Noções historicas, economicas, 303-304.
  57. Neves, 315-319.
  58. Neves, 326. Vide a composição da Direcção em Neves, 327.
  59. Os movimentos de venda pela Real Fábrica podem ser consultados em Neves, 336-339.
  60. Neves, 394-395.
  61. Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 62.
  62. Magalhães, 73.
  63. Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 49-50.
  64. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 115.
  65. Magalhães, 159-160.
  66. Magalhães, 148.
  67. Atente-se na multiplicidade de produtos manufacturados nas dependências da Real Fábrica: "pentes em marfim, caixas de papelão, cartas de jogar, vernizes, lacres, louça, chapéus, relógios, botões, lenços, sinos, cutelaria, limas, tapeçarias, objectos e peças de serralharia, etc". Vide, Magalhães, 69-70.
  68. Neves, Noções historicas, economicas, 36; 89.
  69. Neves, 95.
  70. Magalhães, "A Real Fábrica das Sedas", 75.
  71. Neves, Noções historicas, economicas, 154-155.
  72. Neves, 155-156.
  73. Duarte, Gonçalves, Góis, "Demonstração do Estado da Contadoria da Real Fábrica das Sedas", 46.
  74. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 131-133.
  75. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 142.
  76. Luz, "A Real Fábrica das Sedas de Lisboa", 162-163.

Fontes

Bibliografia

Duarte, Cecília, Gonçalves, Miguel e Cristina Góis. "Demonstração do estado da contadoria da Real Fábrica das Sedas, a maior empresa industrial de Portugal no Século XVIII (período 1757-1796)". De Computis - Revista Española de Historia de la Contabilidad 18, no. 2 (Dezembro 2021): 31-56.

Magalhães, Alberto da Conceição. "A Real Fábrica das Sedas e o comércio têxtil com o Brasil: 1734-1822." Dissertação de Mestrado, Universidade de Lisboa, 2010.

Neves, José Acúrcio. Noções historicas, economicas e administrativas sobre a producção, e manufactura das sedas em Portugal, e particularmente sobre a Real Fabrica do suburbio do Rato, e suas anexas. Lisboa: Impressão Régia, 1827.

Ligações Internas

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Categoria: Real Fábrica das Sedas

Ligações Externas

Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Fundo documental da Real Fábrica das Sedas.

Comércio, Junta do. Estatutos da Real Fabrica das Sedas, Estabelecida no Suburbio do Rato. Lisboa: Na Officina de Miguel Rodrigues, 1757.

"Real Fábrica das Sedas (Fábrica das Sedas do Rato)". Câmara Municipal de Lisboa.

Teresa Vale e Carlos Gomes, "Real Fábrica das Sedas". Direcção-Geral do Património Cultural.

Autor(es) do artigo

João de Almeida Barata

https://orcid.org/0000-0001-9048-0447

Financiamento

Fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto TechNetEMPIRE | Redes técnico-científicas na formação do ambiente construído no Império português (1647-1871) PTDC/ART-DAQ/31959/2017

Apoio especial “Verão com Ciência 2022” da UID 4666 – CHAM — Centro de Humanidades, financiado por fundos nacionais através da FCT/MCTES (PIDDAC)

DOI

https://doi.org/10.34619/yzg7-lyel

Citar este artigo

Almeida Barata, João de. "Real Fábrica das Sedas", in eViterbo. Lisboa: CHAM - Centro de Humanidades, FCSH, Universidade Nova de Lisboa, 2022. (última modificação: 12/10/2023). Consultado a 19 de maio de 2024, em https://eviterbo.fcsh.unl.pt/wiki/Real_F%C3%A1brica_das_Sedas. DOI: https://doi.org/10.34619/yzg7-lyel