Sociedade dos Arquitectos Portugueses: diferenças entre revisões

Fonte: eViterbo
Saltar para a navegação Saltar para a pesquisa
Sem resumo de edição
Sem resumo de edição
Linha 58: Linha 58:
A Sociedade fez-se representar em vários certames profissionais e artísticos dedicados à arquitectura, nacionais e internacionais, com destaque para o VI Congresso Internacional dos Arquitectos, realizado em 1903 em Madrid, cuja participação permitiu uma primeira representação oficial da Sociedade na cena internacional e o aprofundamento das relações com instituições estrangeiras congéneres<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 50-51.</ref>.       
A Sociedade fez-se representar em vários certames profissionais e artísticos dedicados à arquitectura, nacionais e internacionais, com destaque para o VI Congresso Internacional dos Arquitectos, realizado em 1903 em Madrid, cuja participação permitiu uma primeira representação oficial da Sociedade na cena internacional e o aprofundamento das relações com instituições estrangeiras congéneres<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 50-51.</ref>.       


A queda da Primeira República pelo golpe militar de 28 de Maio de 1926 e a instauração de uma ditadura militar não produziram no imediato alterações orgânicas na Sociedade dos Arquitectos. Apenas em 1933, com a alteração do regime político nacional consubstanciada na aprovação da Constituição Política que instituiu o Estado Novo, a Sociedade dos Arquitectos foi extinta “''transformando-se compulsivamente em Sindicato Nacional''”. Não obstante, observar-se-ia a “''continuidade nas linhas reivindicativas fundamentais em torno das questões relacionadas com o exercício da profissão''”<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 107.</ref>. A criação do Sindicato correspondeu ao enquadramento corporativista imposto pelo novo regime político às organizações de representação profissional expresso no Estatuto do Trabalho Nacional e, entre outras peças aprovados naquele ano, no decreto-lei n.º 23050 relativo à organização dos sindicatos nacionais, que definiram os sindicatos nacionais como unidades primárias de representação. A estas estruturas era incumbida, em exclusividade, a defesa dos interesses profissionais e delegada a representação profissional junto dos restantes organismos corporativos, o que veio a constituir "''um aliciante para os arquitectos que desde a fundação da Sociedade'' (...) ''lutavam por ser reconhecidos como parceiros sociais''"<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 147.</ref>. Seria igualmente aliciante o reforço da importância do Sindicato manifestada pela vigência dos "'''contratos de trabalho e regulamentos''<nowiki/>'"<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 148.</ref> por si elaborados tanto para sócios como para não sócios, considerando que a ausência de participação associativa se havia mantido referenciada como problema pelas últimas direcções da Sociedade dos Arquitectos<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 104.</ref>. Por outro lado, se a exclusão da arquitectura das profissões liberais às quais era concedido o estatuto de Ordem, de entre as quais os engenheiros, frustrava "''as expectativas de anos de luta pelo reconhecimento da profissão de arquitecto''"<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 148.</ref> e levava à contestação, ainda assim, não impedia que, no seio da Sociedade, se suscitasse a "''crença sincera na legalidade''". Ou seja, que à representação profissional dos arquitectos, segundo a nova arquitectura legal, correspondesse a "''defesa do exercício da profissão, afastando assim a ingerência de outras áreas profissionais, sobretudo os engenheiros''"<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 151-152.</ref>.      
A queda da Primeira República pelo golpe militar de 28 de Maio de 1926 e a instauração de uma ditadura militar não produziram no imediato alterações orgânicas na Sociedade dos Arquitectos. Apenas em 1933, com a alteração do regime político nacional consubstanciada na aprovação da Constituição Política que instituiu o Estado Novo, a Sociedade dos Arquitectos foi extinta “''transformando-se compulsivamente em Sindicato Nacional''”. Não obstante, observar-se-ia a “''continuidade nas linhas reivindicativas fundamentais em torno das questões relacionadas com o exercício da profissão''”<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 107.</ref>. A criação do Sindicato correspondeu ao enquadramento corporativista imposto pelo novo regime político às organizações de representação profissional expresso no Estatuto do Trabalho Nacional e, entre outras peças aprovados naquele ano, no decreto-lei n.º 23050 relativo à organização dos sindicatos nacionais, que definiram os sindicatos nacionais como unidades primárias de representação. A estas estruturas era incumbida, em exclusividade, a defesa dos interesses profissionais e delegada a representação profissional junto dos restantes organismos corporativos, o que veio a constituir "''um aliciante para os arquitectos que desde a fundação da Sociedade'' (...) ''lutavam por ser reconhecidos como parceiros sociais''"<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 147.</ref>. Seria igualmente aliciante o reforço da importância do Sindicato manifestada pela vigência dos "'''contratos de trabalho e regulamentos''<nowiki/>'"<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 148.</ref> por si elaborados tanto para sócios como para não sócios, considerando que a ausência de participação associativa se havia mantido referenciada como problema pelas últimas direcções da Sociedade dos Arquitectos<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 104.</ref>. Por outro lado, se a exclusão da arquitectura das profissões liberais às quais era concedido o estatuto de Ordem, de entre as quais os engenheiros, frustrava "''as expectativas de anos de luta pelo reconhecimento da profissão de arquitecto''"<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 148.</ref> e levava à contestação, ainda assim, não impedia que, no seio da Sociedade, se suscitasse a "''crença sincera na legalidade''". Ou seja, que à representação profissional dos arquitectos, segundo a nova arquitectura legal, correspondesse a "''defesa do exercício da profissão, afastando assim a ingerência de outras áreas profissionais, sobretudo os engenheiros''"<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 151-152.</ref>.


A transição da Sociedade dos Arquitectos Portugueses para o Sindicato Nacional dos Arquitectos foi sancionada por unanimidade da Assembleia Geral<ref>Sobre o processo de adaptação dos Estatutos à nova arquitectura jurídica ver Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 152-157.</ref>, sendo os Estatutos da nova organização aprovados por alvará de 29 de Junho de 1934<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 158.</ref>.         
A transição da Sociedade dos Arquitectos Portugueses para o Sindicato Nacional dos Arquitectos foi sancionada por unanimidade da Assembleia Geral<ref>Sobre o processo de adaptação dos Estatutos à nova arquitectura jurídica ver Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 152-157.</ref>, sendo os Estatutos da nova organização aprovados por alvará de 29 de Junho de 1934<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 158.</ref>.         
Linha 65: Linha 65:
No âmbito da intervenção da Sociedade, a definição jurídica do título de arquitecto e a sua utilização, bem como o exercer da profissão, mereceram atenção contínua. Durante a gestão de 1907-1908, a Direcção reuniu elementos para agir judicialmente contra os que se apresentavam como arquitectos sem para isso terem as habilitações consideradas necessárias<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 58.</ref>. A necessidade da intervenção da Sociedade nesta questão saia reforçada, em 1917-1918, quando os próprios serviços oficiais do Estado confundiam os espaços profissionais de arquitectos e engenheiros: a autorização requerida pelo Governador de Moçambique ao Ministério das Colónias para promover detentores do curso de arquitectura civil ao grau de engenheiros levaria ao protesto da Sociedade por entender estar em causa a hierarquização entre os profissionais, a indefinição dos campos profissionais e a consequente subalternização dos arquitectos<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 81-83.</ref>. Do ponto de vista jurídico a questão viria a ter uma primeira resolução em 31 de Março de 1925 com a publicação do decreto n.º 10663. A peça legislativa estabeleceu oficialmente a profissionalização dos arquitectos tornando obrigatória a detenção de diploma passado pelas Academias de Belas Artes para exercer a profissão, sob pena de sanção<ref>Decreto n.º 10663, Diário do Governo, no. 70, 31 de Março de 1925, 356.</ref>. Apesar de corresponder às reivindicações da Sociedade, o decreto foi objecto de crítica por parte dos órgãos de gestão<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 92-93.</ref>, uma vez não contemplar, entre outros casos, aqueles que já exerciam a profissão, como os arquitectos integrados nas Obras Públicas, e aqueles que exercendo a profissão haviam completado as cadeiras do curso de arquitectura civil anteriormente à sua reforma em 26 de Maio de 1911. Estas excepções vieram a ser consideradas em novo diploma, o decreto n.º 11089 de 17 de Setembro de 1925, que, então, passou igualmente a "''autorizar o exercício da profissão aos arquitectos que tenham cursado qualquer escola estrangeira, de reconhecido mérito, dos países que admitam reciprocidade de direitos aos arquitectos diplomados pelas escolas portuguesas''" sob parecer favorável da Sociedade<ref>Decreto n.º 11089, 17 de Setembro de 1925, Diário do Governo, no. 199, 17 de Setembro de 1925, 1180.</ref>. Ainda assim, a regulamentação do uso do título de arquitecto não impediria o uso indevido e, na gestão de 1927-1928, a Sociedade agia de forma preventiva remetendo, por circular, "''a todas as Câmaras Municipais, Associações Comerciais e Industriais, Associações de Classe, Cooperativas de Construção, etc., uma 'lista oficial de todos os arquitectos portugueses''' "<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 98.</ref>.           
No âmbito da intervenção da Sociedade, a definição jurídica do título de arquitecto e a sua utilização, bem como o exercer da profissão, mereceram atenção contínua. Durante a gestão de 1907-1908, a Direcção reuniu elementos para agir judicialmente contra os que se apresentavam como arquitectos sem para isso terem as habilitações consideradas necessárias<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 58.</ref>. A necessidade da intervenção da Sociedade nesta questão saia reforçada, em 1917-1918, quando os próprios serviços oficiais do Estado confundiam os espaços profissionais de arquitectos e engenheiros: a autorização requerida pelo Governador de Moçambique ao Ministério das Colónias para promover detentores do curso de arquitectura civil ao grau de engenheiros levaria ao protesto da Sociedade por entender estar em causa a hierarquização entre os profissionais, a indefinição dos campos profissionais e a consequente subalternização dos arquitectos<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 81-83.</ref>. Do ponto de vista jurídico a questão viria a ter uma primeira resolução em 31 de Março de 1925 com a publicação do decreto n.º 10663. A peça legislativa estabeleceu oficialmente a profissionalização dos arquitectos tornando obrigatória a detenção de diploma passado pelas Academias de Belas Artes para exercer a profissão, sob pena de sanção<ref>Decreto n.º 10663, Diário do Governo, no. 70, 31 de Março de 1925, 356.</ref>. Apesar de corresponder às reivindicações da Sociedade, o decreto foi objecto de crítica por parte dos órgãos de gestão<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 92-93.</ref>, uma vez não contemplar, entre outros casos, aqueles que já exerciam a profissão, como os arquitectos integrados nas Obras Públicas, e aqueles que exercendo a profissão haviam completado as cadeiras do curso de arquitectura civil anteriormente à sua reforma em 26 de Maio de 1911. Estas excepções vieram a ser consideradas em novo diploma, o decreto n.º 11089 de 17 de Setembro de 1925, que, então, passou igualmente a "''autorizar o exercício da profissão aos arquitectos que tenham cursado qualquer escola estrangeira, de reconhecido mérito, dos países que admitam reciprocidade de direitos aos arquitectos diplomados pelas escolas portuguesas''" sob parecer favorável da Sociedade<ref>Decreto n.º 11089, 17 de Setembro de 1925, Diário do Governo, no. 199, 17 de Setembro de 1925, 1180.</ref>. Ainda assim, a regulamentação do uso do título de arquitecto não impediria o uso indevido e, na gestão de 1927-1928, a Sociedade agia de forma preventiva remetendo, por circular, "''a todas as Câmaras Municipais, Associações Comerciais e Industriais, Associações de Classe, Cooperativas de Construção, etc., uma 'lista oficial de todos os arquitectos portugueses''' "<ref>Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 98.</ref>.           


Com a aprovação dos Estatutos de 1934, o Sindicato Nacional dos Arquitectos ficava incumbido de "''processar e perseguir perante os Tribunais quem, não sendo Arquitecto ou associado, use o respectivo título ou exerça funções que sejam da exclusiva competência dos seus associados''"<ref>''Estatuto do Sindicato Nacional dos Arquitectos, Capítulo II - Fins, Art. 3.º, g)'', 6, citado em Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 159-160.</ref>.           
Com a aprovação dos Estatutos de 1934, o Sindicato Nacional dos Arquitectos enquanto único legítimo representante da classe profissional, estava capacitado a "''processar e perseguir perante os Tribunais quem, não sendo Arquitecto ou associado, use o respectivo título ou exerça funções que sejam da exclusiva competência dos seus associados''"<ref>''Estatuto do Sindicato Nacional dos Arquitectos, Capítulo II - Fins, Art. 3.º, g)'', 6, citado em Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 159-160.</ref>.           
==Notas==<!-- As notas e a bibliografia que foi, de facto, usada para construir a informação. Atenção: Chicago full note with bibliography-->
==Notas==<!-- As notas e a bibliografia que foi, de facto, usada para construir a informação. Atenção: Chicago full note with bibliography-->
<references />
<references />

Revisão das 12h59min de 18 de dezembro de 2023


Sociedade dos Arquitectos Portugueses
(valor desconhecido)
Outras denominações Sociedade dos Architectos Portugueses, Sindicato Nacional dos Arquitectos, Associação dos Arquitectos Portugueses
Tipo de Instituição Profissional
Data de fundação 11 dezembro 1902
Data de extinção 3 julho 1998
Paralisação
Início: valor desconhecido
Fim: valor desconhecido
Antecessora Associação dos Arquitectos Civis Portugueses

Sucessora Ordem dos Arquitectos


História

A Sociedade dos Arquitectos Portugueses[1] foi uma organização de representação profissional dos arquitectos portugueses fundada em 11 de Dezembro de 1902. Até então, a representação dos arquitectos esteve incumbida à Real Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses, pelo que partilhada com a representação profissional dos arqueólogos portugueses.

A participação de vários arquitectos[2] no seio do Grémio Artístico, fundado em 1890, procurou responder à ausência de espaço para a discussão das questões próprias da arquitectura portuguesa no seio da Real Associação. Ao mesmo tempo, mobilizou a expressão artística dos profissionais de arquitectura nos certames organizados pelo Grémio[3]. Desde 1898, decorreram os "trabalhos preparatórios a fim de constituírem o seu organismo profissional autónomo", nomeadamente o envio de missivas a vários arquitectos portugueses em que se propunha a sua adesão ao projeto, as quais terão sido bem recebidas na sua maioria. No seio do Grémio Artístico, e com o aval da sua direcção, foi possível aos arquitectos associados organizarem as primeiras reuniões de índole profissional. No ano seguinte já se estudava a possibilidade de serem adoptados os estatutos do Grémio para a constituição de organismo profissional próprio[4]. A partir de 1901 e até à fundação de organismo associativo próprio no ano seguinte, as reivindicações profissionais dos arquitectos portugueses, como o alargamento do quadro de arquitectos no Ministério das Obras Públicas, passaram a ter representação na Sociedade Nacional de Belas Artes fundada nesse ano pela fusão do Grémio Artístico com a Sociedade Promotora das Belas Artes[5]. O período entre 1898 e 1902 caracterizou-se como o conjunto de "anos propedêuticos para a sedimentação das próprias regras internas do movimento associativo que se pretendia em permanente diálogo reivindicativo com o poder vigente"[6].

A Sociedade dos Arquitectos Portugueses surgiu como o “culminar de uma nova consciência profissional”, sendo esta sustentada pelo aumento do número de profissionais, que exigia a definição normativa do seu campo profissional e pretendia ver “clarificado o seu papel interveniente na sociedade e cultura de então”, contando, para tal, com o reconhecimento por parte destas[7]. Com data de 15 de Julho de 1902, e aprovação por alvará régio de 11 de Dezembro desse ano, os Estatutos da Sociedade foram assinados por Adães Bermudes, Francisco Carlos Parente e Álvaro Machado. Estabeleciam como primeiro fim da Sociedade o "estudo e defesa dos interesses morais e materiais, comuns aos seus associados", prestando-lhes "o apoio necessário para a defesa dos seus interesses profissionais, quando o julgar útil aos interesses gerais da Classe"[8].

A adesão à Sociedade na qualidade de sócio efectivo era permitida aos arquitectos diplomados pela Academia de Belas Artes de Lisboa, pela Academia Portuense de Belas Artes, e por Escolas nacionais e estrangeiras, incluindo os pensionistas estatais em formação no estrangeiro. Acresciam os sócios agregados, que estivessem a realizar a sua especialização profissional, os membros correspondentes, a que pertenciam os arquitectos estrangeiros não residentes no país, e os membros honorários. O órgão associativo máximo recaía na Assembleia Geral dos sócios, responsável pela eleição dos corpos gerentes[9].

Nas primeiras décadas de funcionamento da Sociedade, a vivência associativa caracterizou-se pela falta de coesão entre "os corpos dirigentes, sempre arquitectos de prestígio (...) que se disponibilizam (...) a desenvolver acções e actividades sempre orientadas num único sentido - a defesa dos interesses dos arquitectos" e uma "massa associativa que não corresponde, não acompanha, nem secunda estas iniciativas". O afastamento desta última não traduziria oposição ou crítica, mas tão só a prevalência das iniciativas individuais dos sócios aliada à incapacidade dos corpos dirigentes em "encontrar formulações adequadas aos profissionais que representava"[10].

A primeira direcção (1902-1903) presidida pelo arquitecto Miguel Ventura Terra, orientou a sua intervenção para o tabelamento de honorários, a “defesa do exercício da profissão” e o escrutínio sobre os concurso públicos que tivessem relação com a arquitectura. As duas últimas problemáticas mantiveram-se na esfera de intervenção das restantes direcções[11] ao longo da existência da Sociedade[12]. A defesa da profissão traduzia-se na reivindicação de reforma dos estudos de arquitectura nas Academias de Belas Artes de Lisboa e do Porto[13], e a reforma dos serviços oficiais de arquitectura a cargo do Ministério das Obras Públicas[14] foram promovidas pelos corpos gerentes da Sociedade. Na relação estabelecida com os poderes republicanos, a posição daquela terá sido de “marginalização”, segundo a perspectiva das direcções, uma vez considerando que das consultas promovidas pelos governos em algumas matérias[15], resultava frequentemente a desconsideração dos pareceres emitidos[16]. Não obstante, foram realizados alguns avanços na reforma do ensino profissional de arquitectura com a reforma do ensino artistico de 26 de Maio de 1911[17] e na reorganização dos serviços oficiais de belas artes, ainda que sem o desenvolvimento considerado necessário pela Sociedade[18].

A Sociedade fez-se representar em vários certames profissionais e artísticos dedicados à arquitectura, nacionais e internacionais, com destaque para o VI Congresso Internacional dos Arquitectos, realizado em 1903 em Madrid, cuja participação permitiu uma primeira representação oficial da Sociedade na cena internacional e o aprofundamento das relações com instituições estrangeiras congéneres[19].

A queda da Primeira República pelo golpe militar de 28 de Maio de 1926 e a instauração de uma ditadura militar não produziram no imediato alterações orgânicas na Sociedade dos Arquitectos. Apenas em 1933, com a alteração do regime político nacional consubstanciada na aprovação da Constituição Política que instituiu o Estado Novo, a Sociedade dos Arquitectos foi extinta “transformando-se compulsivamente em Sindicato Nacional”. Não obstante, observar-se-ia a “continuidade nas linhas reivindicativas fundamentais em torno das questões relacionadas com o exercício da profissão[20]. A criação do Sindicato correspondeu ao enquadramento corporativista imposto pelo novo regime político às organizações de representação profissional expresso no Estatuto do Trabalho Nacional e, entre outras peças aprovados naquele ano, no decreto-lei n.º 23050 relativo à organização dos sindicatos nacionais, que definiram os sindicatos nacionais como unidades primárias de representação. A estas estruturas era incumbida, em exclusividade, a defesa dos interesses profissionais e delegada a representação profissional junto dos restantes organismos corporativos, o que veio a constituir "um aliciante para os arquitectos que desde a fundação da Sociedade (...) lutavam por ser reconhecidos como parceiros sociais"[21]. Seria igualmente aliciante o reforço da importância do Sindicato manifestada pela vigência dos "'contratos de trabalho e regulamentos'"[22] por si elaborados tanto para sócios como para não sócios, considerando que a ausência de participação associativa se havia mantido referenciada como problema pelas últimas direcções da Sociedade dos Arquitectos[23]. Por outro lado, se a exclusão da arquitectura das profissões liberais às quais era concedido o estatuto de Ordem, de entre as quais os engenheiros, frustrava "as expectativas de anos de luta pelo reconhecimento da profissão de arquitecto"[24] e levava à contestação, ainda assim, não impedia que, no seio da Sociedade, se suscitasse a "crença sincera na legalidade". Ou seja, que à representação profissional dos arquitectos, segundo a nova arquitectura legal, correspondesse a "defesa do exercício da profissão, afastando assim a ingerência de outras áreas profissionais, sobretudo os engenheiros"[25].

A transição da Sociedade dos Arquitectos Portugueses para o Sindicato Nacional dos Arquitectos foi sancionada por unanimidade da Assembleia Geral[26], sendo os Estatutos da nova organização aprovados por alvará de 29 de Junho de 1934[27].

Outras informações

No âmbito da intervenção da Sociedade, a definição jurídica do título de arquitecto e a sua utilização, bem como o exercer da profissão, mereceram atenção contínua. Durante a gestão de 1907-1908, a Direcção reuniu elementos para agir judicialmente contra os que se apresentavam como arquitectos sem para isso terem as habilitações consideradas necessárias[28]. A necessidade da intervenção da Sociedade nesta questão saia reforçada, em 1917-1918, quando os próprios serviços oficiais do Estado confundiam os espaços profissionais de arquitectos e engenheiros: a autorização requerida pelo Governador de Moçambique ao Ministério das Colónias para promover detentores do curso de arquitectura civil ao grau de engenheiros levaria ao protesto da Sociedade por entender estar em causa a hierarquização entre os profissionais, a indefinição dos campos profissionais e a consequente subalternização dos arquitectos[29]. Do ponto de vista jurídico a questão viria a ter uma primeira resolução em 31 de Março de 1925 com a publicação do decreto n.º 10663. A peça legislativa estabeleceu oficialmente a profissionalização dos arquitectos tornando obrigatória a detenção de diploma passado pelas Academias de Belas Artes para exercer a profissão, sob pena de sanção[30]. Apesar de corresponder às reivindicações da Sociedade, o decreto foi objecto de crítica por parte dos órgãos de gestão[31], uma vez não contemplar, entre outros casos, aqueles que já exerciam a profissão, como os arquitectos integrados nas Obras Públicas, e aqueles que exercendo a profissão haviam completado as cadeiras do curso de arquitectura civil anteriormente à sua reforma em 26 de Maio de 1911. Estas excepções vieram a ser consideradas em novo diploma, o decreto n.º 11089 de 17 de Setembro de 1925, que, então, passou igualmente a "autorizar o exercício da profissão aos arquitectos que tenham cursado qualquer escola estrangeira, de reconhecido mérito, dos países que admitam reciprocidade de direitos aos arquitectos diplomados pelas escolas portuguesas" sob parecer favorável da Sociedade[32]. Ainda assim, a regulamentação do uso do título de arquitecto não impediria o uso indevido e, na gestão de 1927-1928, a Sociedade agia de forma preventiva remetendo, por circular, "a todas as Câmaras Municipais, Associações Comerciais e Industriais, Associações de Classe, Cooperativas de Construção, etc., uma 'lista oficial de todos os arquitectos portugueses' "[33].

Com a aprovação dos Estatutos de 1934, o Sindicato Nacional dos Arquitectos enquanto único legítimo representante da classe profissional, estava capacitado a "processar e perseguir perante os Tribunais quem, não sendo Arquitecto ou associado, use o respectivo título ou exerça funções que sejam da exclusiva competência dos seus associados"[34].

Notas

  1. O presente verbete constitui uma resenha histórica sobre a representação profissional da classe dos arquitectos no período entre 1902 e ..., pelo que, para além da história da Sociedade dos Arquitectos Portugueses, apresenta igualmente a evolução da representação durante a vigência do Sindicato Nacional dos Arquitectos (1933) e da Associação dos Arquitectos Portugueses (1978), que foram objectivamente instituições diferentes.
  2. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 31; 33.
  3. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 31-32.
  4. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 34-35.
  5. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 36.
  6. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 37.
  7. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 43-44.
  8. Sociedade dos Arquitectos Portugueses. Estatutos da Sociedade dos Architectos Portuguezes (associação de classe). Lisboa: Typ. Lallemant, 1903, 5-6, citado em Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 45.
  9. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 46-47.
  10. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 86.
  11. Para uma descrição da composição das direcções e dos trabalhos desenvolvidos pela Sociedade dos Arquitectos Portugueses, vide Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 49-109.
  12. A título de exemplo, observem-se os seguintes pontos do plano de actividades para a direcção de 1917-1918: "'Reorganização dos serviços de Arquitectura, tanto no Estado como nas Câmaras Municipais do País. Desenvolvimento do ensino da Arquitectura nas nossas Escolas de Belas Artes. Organização periódica de congressos nacionais de Arquitectura, com o fim de congregar todos os esforços individuais num sistemático corpo doutrinário de defesa dos interesses morais e materiais da classe' ". Sociedade dos Arquitectos Portugueses. Relatório do Conselho Director de 1917-1918, citado em Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 82.
  13. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 50.
  14. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 65.
  15. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 68-69.
  16. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 72.
  17. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 64.
  18. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 71-72.
  19. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 50-51.
  20. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 107.
  21. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 147.
  22. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 148.
  23. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 104.
  24. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 148.
  25. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 151-152.
  26. Sobre o processo de adaptação dos Estatutos à nova arquitectura jurídica ver Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 152-157.
  27. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 158.
  28. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 58.
  29. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 81-83.
  30. Decreto n.º 10663, Diário do Governo, no. 70, 31 de Março de 1925, 356.
  31. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 92-93.
  32. Decreto n.º 11089, 17 de Setembro de 1925, Diário do Governo, no. 199, 17 de Setembro de 1925, 1180.
  33. Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 98.
  34. Estatuto do Sindicato Nacional dos Arquitectos, Capítulo II - Fins, Art. 3.º, g), 6, citado em Ribeiro, "Arquitectos Portugueses", 159-160.

Fontes

Decreto n.º 10663, 31 de Março de 1925, Diário do Governo, no. 70, 31 de Março de 1925, 356.

Decreto n.º 11089, 17 de Setembro de 1925, Diário do Governo, no. 199, 17 de Setembro de 1925, 1180.

Bibliografia

Ribeiro, Ana Isabel de Melo. "Arquitectos Portugueses: 90 anos de vida associativa. 1863-1953”. Dissertação de Mestrado, Universidade Nova de Lisboa, 1993.(Publicado FAUP, 1ª ed., 2002).

Ligações Internas

Para consultar as pessoas relacionadas com esta instituição siga o link:

Categoria:Associação dos Arquitectos Civis Portugueses

Ligações Externas

Autor(es) do artigo

João de Almeida Barata

https://orcid.org/0000-0001-9048-0447

Financiamento

Fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto TechNetEMPIRE | Redes técnico-científicas na formação do ambiente construído no Império português (1647-1871) PTDC/ART-DAQ/31959/2017

Apoio especial “Verão com Ciência 2022” da UID 4666 – CHAM — Centro de Humanidades, financiado por fundos nacionais através da FCT/MCTES (PIDDAC)

DOI

Citar este artigo

Almeida Barata, João de. "Sociedade dos Arquitectos Portugueses", in eViterbo. Lisboa: CHAM - Centro de Humanidades, FCSH, Universidade Nova de Lisboa, 2022. (última modificação: 18/12/2023). Consultado a 20 de maio de 2024, em https://eviterbo.fcsh.unl.pt/wiki/Sociedade_dos_Arquitectos_Portugueses. DOI: []