Azinhaga-exemplo

Fonte: eViterbo
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Definições em descritores e dicionários antigos

Segundo Rafael Bluteau (séc. XVIII)

Azinhaga. Caminho estreito por entre campos ou matos, fora da estrada real. Semita, ae. Fem. Rara per occultos ducebat semita calles. Virg. 9. Aeneid. Se meteu para uma azinhaga que ali fazia o mato. Hist. de Fern. Med. Pint. 137. col. 3. Azinhaga de vara e quarta não tolhe alçar-se o vizinho. liv. 1. da Ord. T. 68 § 33.

Azinhaga. Lugar de Portugal, Termo da Vila de Santarém. [1]


Segundo João de Sousa (séc. XVIII)

Azenhaga. Azzancha. (voz corruta) Aldeia na Província da Estremadura, Patriarcado de Lisboa. Rua estreita, e apertada; caminho entre duas paredes, ou mato. Deriva-se do verbo zanaca" apertar, estreitar. Chorograph. Portug. [2]


Segundo Reinhart  Dozy (séc. XIX)

Azinhaga. pg. (caminho estreito) de az-zanca, rua estreita. [3]


Segundo Leopoldo de Eguilaz y Yanguas (séc. XIX)

Azinhaga port. Caminho estreito. De az-zanáca, «callis» em R. Martín, «calle en poblado» em P. de Alcalá, forma arábica-hispânica por az-zanca, «platea augusta» em Freytag. [4]


Etimologia

Do árabe az-zinaiqâ [5] ou az-zanqa [6]; árabe clássico alzanaqah, de raiz tri-consonântica znq. [7]


Azinhaga na História

Azinhaga foi o termo utilizado para designar os espaços de circulação estreitos. A sua origem árabe é inequívoca, ainda que Rafael Bluteau (séc. XVIII) – de acordo com a cultura corrente da sua época – relacione azinhaga à palavra latina semita (semi-itu), que, por sua vez, Isidoro de Sevilha (séc. VII) descreve como um caminho para humanos – por oposição a calle que era utilizada pelos animais –, assim chamada por ser metade de uma via itinerária (iter). [8] O termo azinhaga, com o mesmo significado de espaço estreito e em relação direta com as casas envolventes, utilizou-se também no Cairo e na Tunísia, respetivamente, na forma ẓanqā e ẓuqāq.[9]

O termo azinhaga aparece na antiga documentação portuguesa ainda escrita em latim, sobretudo em âmbito urbano, coexistindo em paralelo com o termo ''via'' e mais tarde com ''rua''. Contrariamente a estes últimos espaços de circulação que tinham uma utilização pública parece que a azinhaga estava inicialmente conotada com um domínio e utilização privado, ainda que podendo ser compartilhado por vários vizinhos. Tal sentido se encontra, por exemplo, na antiga documentação de Coimbra (ver abaixo, Aparecimento na documentação), mas também em Évora e Santarém. [10] Posteriormente, aparecem casos onde as azinhagas pertenciam aos concelhos, sendo por isso de domínio público. Mas tal não inviabilizava que pudessem vir a ter uma utilização privada ou semi-privada, mas sempre com acordo prévio dos oficiais dos concelhos. Tal, parece ser o caso em que D. Filipe de Sousa, em 1532, trazia hua azinhada da çidade metida e hũ seu jardim e casas […] com a comdiçã q[ue] vedemdo elle ou seus herdeyros as ditas casas fique lyvre a dita azynhaga ha a çidade de Coimbra. [11]

Devido à sua origem, é possível que inicialmente este termo tenha sido usado somente no território a sul de Coimbra – aquele que teve maior grau de islamização –, dado que, para os territórios a norte, aparecem outros termos a definir espaços de circulação estreitos, caso de ''viela'', diminutivo de via; ''ruela'', diminutivo de rua; e ''quelha'', todos eles de origem latina. [12]

A importância da azinhaga releva-se, também, pelo facto se ter sido este um dos primeiros termos urbanísticos a estar inscrito nas normas jurídicas dos usos e costumes (também chamados de foros ou foros extensos[13]) e posturas medievais portuguesas. De facto, sendo este um espaço de circulação estreito e relacionado com as casas envolventes, era sem dúvida um espaço onde facilmente poderiam ocorrer e ocorriam conflitos entre vizinhos. O almotacé era, então, chamado a julgar os danos ocorridos nas ou sobre azinagas, como aparece nos foros de Évora (comunicados a Terena em 1280) [14]; azinhagas, como aparece nos foros de Santarém [15], datados entre os anos de 1331 e 1347 [16]; azyagas, como aparece nos foros de Beja [17], datados entre os anos de 1254 e 1335 [18]; azinhagaas, como aparece nos foros de Torres Novas [19], datados entre os anos de 1275 e 1325 [20]; azinhagaas, como aparece nas posturas de Lisboa, coligidas no século XIV [21], mas cuja norma em apreço será, provavelmente, anterior a 1281.[22]

O diploma posterior às posturas de Lisboa, isto é, o forall (ou regulamento) da almotaçaria de 1444[23], contém várias normas jurídicas para a atividade construtiva que decorresse nos edifícios perto das azinhagas. Dentro destas destaca-se a norma que definia a largura mínima destes espaços: çinquo pees segumdo direito comuum. Note-se, que esta não só é a única me absoluta presente neste regulamento – apresentando-se em alternativa ao modo corrente de definir os espaços de circulação por medidas relacionais, neste caso, aazinhagua tamanha–, como também era a única que assume a influência de elementos jurídicos externos e/ou subsidiários, neste caso o direito comum (ius commune).[24]

Como o regulamento local da almotaçaria de Lisboa foi adaptado a lei geral do reino, a norma que definia os 5 pés para a largura das azinhagas passou a estar inscrita nas Ordenações Manuelinas (1521), sendo entretanto definida por hũa vara e quarta de medir pano, em larguo, isto é, cerca de 1,375 metros.[25] [26] Mas as Ordenações Manuelinas incluíram também uma outra grandeza (4 palmos, isto é, cerca de 0,88 metros) usada para definir a estreiteza das azinhagas, a partir da qual se condicionava gravemente o alteamento dos edifícios vizinhos.[27]. Conservadas sem alterações nas Ordenações seguintes, as Filipinas (1603), estas foram durante muito tempo as únicas medidas estabelecidas por lei geral para a dimensão dos espaços de circulação.[28]

As posturas de Tomar, de 1607, contêm, curiosamente, outras indicações sobre a largura a estabelecer para as azinhagas e serventias desta vila e seu termo: 12 palmos de craveira e aonde fizerem volta serão 16 palmos, ou seja, respetivamente, 2,64 metros e 3,52 metros. Esta disposição obrigava que no prazo de quinze dias todas as pessoas que tivessem heranças (terrenos produtivos) confrontantes com azinhagas de ambos os lados fossem obrigadas a alargá-las para a medida declarada, sobre pena monetária de quinhentos réis, elevada para o dobro quando se provasse que alguém usurpasse parte do espaço. É que se as azinhagas fossem mais largas, ninguém as podiam estreitar sob a mesma pena e de custearem as obras para a largura anterior. [29]

No século XIX, com a fixação toponímica e com as emergentes ideias de saúde pública e progresso, várias azinhagas urbanas deixaram de ser designadas por este termo, dada a sua conotação de “estreiteza, acanhamento e atraso”. [30] Não obstante algumas exceções, atualmente, este termo encontra-se em uso sobretudo em ambiente rústico.

Utilização do termo na documentação antiga

Século XII

1126: … in Oriente domuz Juaniz Ariez, et Occidente Arnado, in Aquilone aziaga dividit inter nos, et alioz homines, in Africo via publica …[31]

1170: … Aquilonem inter Cazas de Petro Garcia, et miona Domna Tharasia quarum Sunt isti termini, in Oriente quomodo dividit per domos Petri Garcia, in Occidente quomodo nostra azinaga Cum vestra tristeca, idest Latrina, est Contigua, et affiniz casae de Mione Domnae Tharasiae, in Aquilone quomodo dividit per domun Gunçalvi de Sena, et per domũ Joannis Martinni … [32]

1171: … in Oriente Azinaga, et vinea de Menendo Pacheca, in Occidente Vinea de Santa Maria, in Aquilone vinea de Martino Odoriz, et vinea de Petro Laurenti, et azinaga quae vadit usque ad vineam de Petro Laurenti, inter Vineam de Fernando Alcaó … [33]

1179: … in orient domum Petro Joanni et domu Gunçalvi da Buis, in occidente Azinaga, in Aquillone Azinaga, in affrica via publica …[34]

1181: … in OrienteAzinaga, in occidente via publica, in Affrico Elvira Martinis, in Aquillone vos Comparatores … [35]

Exemplos

Sinonímia

Quelha; Ruela; Viela.

Notas

  1. Bluteau, Vocabulario Portuguez e latino (Tomo I: Letra A), 696.
  2. Sousa, Vestigios, 68.
  3. Dozy, Glossaire, 227.
  4. Eguilaz y Yanguas, Glosario, 323.
  5. Machado, Dicionário (Segundo Volume: A-C), 362.
  6. Dicionário (Tomo I A-CZA), 469.
  7. Nimer, Influências orientais, 108.
  8. Hispalensis, Etymologiarvm, XV, 16, 9.
  9. Depaule, Shāriʿ, 330.
  10. Beirante, Espaços públicos, 72.
  11. Tombo Antigo, 203.
  12. Vasconcelos, Etnografia , 659.
  13. Domingues, Pinto, “Os foros extensos”, 154.
  14. Portugaliae Monumenta Historica – Leges et Consuetudines, II, 85.
  15. Portugaliae Monumenta Historica – Leges et Consuetudines, II, 29.
  16. Domingues, Pinto, “Os foros extensos”, 157.
  17. Portugaliae Monumenta Historica – Leges et Consuetudines, II, 69.
  18. Domingues, Pinto, “Os foros extensos”, 158.
  19. Portugaliae Monumenta Historica – Leges et Consuetudines, II, 92.
  20. Domingues, Pinto, “Os foros extensos”, 159.
  21. Posturas do Concelho, 45.
  22. Velozo, “Apresentação” in Posturas do Concelho, 7-10.
  23. Livro das Posturas Antigas, 98-113.
  24. Pinto, “Em torno”.
  25. Ordenações Manuelinas (Livro I, Título XLIX, § 35), I, 352-353.
  26. Para a passagem dos 5 pés, para 1+ 1/4 vara, ver: Pinto, “O direito comum”, 58.
  27. Ordenações Manuelinas (Livro I, Título XLIX, § 29), I, 351.
  28. Ordenações e Leis (Livro I, Título LXVIII, §§ 27, 33), I, 329-330.
  29. “Livro das Posturas do século XVII”, 79.
  30. Loureiro, “Notas”, 127-128.
  31. Documentos para o estudo da cidade de Coimbra, documento n.º 46.
  32. Documentos para o estudo da cidade de Coimbra, documento n.º 92.
  33. Documentos para o estudo da cidade de Coimbra, documento n.º 96.
  34. Documentos para o estudo da cidade de Coimbra, documento n.º 110.
  35. Documentos para o estudo da cidade de Coimbra, documento n.º 129.


Fontes

  • “Documentos para o estudo da cidade de Coimbra na Idade-Média”, in Biblos (pub. António Gomes da Rocha Madahil), Coimbra, vol. IX (1933), 263-282, 522-535; vol. X (1934), 141-172, 358-380, 635-653; vol. XI (1935), 255-288.
  • “Livro das Posturas do século XVII”, in Anais do Município de Tomar, Crónica dos Acontecimentos Citadinos nos séculos XVI, XVII, XVIII, XIX e XX, Volume IV (1581-1700) (pub. Alberto de Sousa Amorim Rosa), Tomar: Câmara Municipal de Tomar, 1968, 49-102.
  • “Tombo antigo da Câmara de Coimbra (1532)” in Arquivo Coimbrão (pub. José Branquinho de Carvalho ), Coimbra, vol. 18 (1964), 36-83, 192-230.
  • Bluteau, Rafael. Vocabulario portuguez e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botanico, brasilico, comico, critico, chimico, dogmatico, dialectico, dendrologico, ecclesiastico, etymologico, economico, florifero, forense, fructifero... autorizado com exemplos dos melhores escritores portugueses, e latinos... Tomo I: Letra A. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712.
  • Collecção de Decretos e Regulamentos mandados publicar por sua Magestade Imperial desde a sua entrada em Lisboa até à instalação das Câmaras Legislativas, Terceira série, Lisboa: Imprensa Nacional, 1840.
  • Collecção de legislação das Cortes de 1821 a 1823, Lisboa: Imprensa Nacional, 1843.
  • Depaule, J.-Ch. “Shāriʿ” in Encyclopédie de L’Islam, 13 Volumes, Leyde: E.J. Brill, 1975-2007, Volume IX : SAN-SZE, 330 ou The Encyclopadia of Islam, 13 Volumes, Leiden: Brill, 1986-2004, Volume IX : SAN-SZE, 320-321.
  • Dicionário Houaiss da língua portuguesa, 3 Volumes, Lisboa: Temas e Debates, 2003.
  • Dozy, Reinhart; Engelmann, Willem Herman. Glossaire des mots espagnols et portugais dérivés de l’arabe, Leyde: E. J. Brill, 1869.
  • Eguilaz y Yanguas, Leopoldo de. Glosario Etimológico de las Palabras Españolas (castellanas,catalanas, gallegas, mallorquinas, portuguesas, valencianas y bascongadas) de Origen Oriental (árabe, hebreo,malayo, persa y turco), Granada: La Lealtad, 1886.
  • Hispalensis episcopi, Isidori. Etymologiarvm Sive Originvm… Oxonii: E. Typographeo Clarendoniano, 1911.
  • Machado, José Pedro. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, com a mais antiga documentação escrita e conhecida de muitos dos vocábulos estudados, 5 Volumes, Lisboa: Livros Horizonte, 1977 (3ª ed.).
  • Nimer, Miguel. Influências orientais na língua portuguesa, os vocábulos Àrabes, Arabizados, Persas e Turcos, 2 Volumes, São Paulo: Escolas Professionais Salesianas, 1943.
  • Ordenações Afonsinas (fac-símile da ed. de Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1792, apres. Mário Júlio de Almeida Costa), 5 Volumes, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984.
  • Ordenações e Leis do Reino de Portugal, publicadas em 1603 (Collecçaõ da Legislaçaõ Antiga e Moderna do Reino de Portugal, Parte II – da Legislação Moderna), 3 Volumes, Coimbra: Na Real Imprensa da Universidade, 1790.
  • Ordenações Manuelinas (fac-símile da ed. de Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1792, apres. Mário Júlio de Almeida Costa), 5 Volumes, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984.
  • Portugaliae Monumenta Historica, a saeculo octavo post christum ad quintumdecimum – Diplomata et Chartae, Olisipone: Typis Academicis, 1868.
  • Portugaliae Monumenta Historica, a saeculo octavo post christum ad quintumdecimum, Leges et Consuetudines, Volumen II, Lisboa: Olisipone Typis Academicis, 1868.
  • Posturas do Concelho de Lisboa (século XIV), (apres. Francisco José Velozo, leit. paleog., nótula e vocab. José Pedro Machado), Lisboa: Sociedade de Língua Portuguesa, 1974.
  • Sousa, João de. Vestigios da Lingua Arabica em Portugal, ou Lexicon etymologico das palavras, e nomes poruguezes que tem origem arabica, Lisboa: Na Officina da Academia Real das Sciencias, 1789.

Bibliografia

  • Beirante, Maria Ângela da Rocha. “Espaços públicos nas cidades portuguesas medievais” in A Cidade, Jornadas Inter e Pluridisciplinares (coord. Maria José Pimenta Ferro Tavares), 2 Volumes, Lisboa: Universidade Aberta, 1993, II, 65-79.
  • Domingues, José; Pinto, Pedro.“Os foros extensos na Idade Média em Portugal”. Revista de Estudios Histórico-Jurídicos, Valparaíso, Chile. Vol. 37 (2015),153-174.
  • Loureiro, José Pinto. “Notas de toponímia coimbrã” in Arquivo Coimbrão, Coimbra, vol. 6 (1942), 119-148.
  • Pinto, Sandra M.G. “Em torno do foral medieval da almotaçaria de Lisboa”, in Fragmenta Historica - História, Paleografia e Diplomática, Lisboa, vol. 4 (2016), 47-110.

Autor(es) do verbete

Sandra M.G. Pinto

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