Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica: diferenças entre revisões

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==História==<!--História geral da instituição. Este é o local para colocar toda a informação que justifica o que está na infobox e outra complementar, subdividida em períodos, se necessário-->
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A Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica, para o Desenho, Gravura e Impressão das Cartas Hidrográficas, Geográficas e Militares, ou, abreviadamente, Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica, foi uma instituição criada por alvará com força de lei de 30 de Junho de 1798 no reinado de D. Maria I<ref>Ribeiro, ''Historia dos estabelecimentos scientificos'', 4:157.</ref>, sob proposta de D. Rodrigo de Sousa Coutinho<ref>Ribeiro, 4:161.</ref>, secretário de estado dos negócios ultramarinos e da marinha. A criação da Sociedade Real efetivou "''pela primeira vez, uma política oficial de impressão e comercialização de mapas''" nos domínios portugueses e a institucionalização dos saberes cartográficos com vista a desenvolver "''novas modalidades de exercício da soberania territorial''"<ref>Kantor, "Mapas em trânsito", 113; 117.</ref>. Nos finais do século XVIII e nas primeiras décadas da centúria seguinte, a experiência cartográfica da Sociedade Real Marítima demonstrou ser importante para a consolidação da diplomacia portuguesa em sede de negociações internacionais. Posteriormente, contribuiu de forma decisiva para a construção da identidade territorial brasileira através do conhecimento geográfico e cartográfico reunido, sendo que, na generalidade, o "''legado cartográfico foi um dos principais instrumentos de legitimação da novíssima monarquia perante as demais potências''"<ref>Kantor, "Mapas em trânsito".</ref>.  
A Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica, para o Desenho, Gravura e Impressão das Cartas Hidrográficas, Geográficas e Militares, ou, abreviadamente, Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica, foi uma instituição criada por alvará com força de lei de 30 de Junho de 1798 no reinado de D. Maria I<ref>Ribeiro, ''Historia dos estabelecimentos scientificos'', 4:157.</ref>, sob proposta de D. Rodrigo de Sousa Coutinho<ref>Ribeiro, 4:161.</ref>, secretário de estado dos negócios ultramarinos e da marinha. A criação da Sociedade Real efetivou "''pela primeira vez, uma política oficial de impressão e comercialização de mapas''" nos domínios portugueses e a institucionalização dos saberes cartográficos com vista a desenvolver "''novas modalidades de exercício da soberania territorial''"<ref>Kantor, "Mapas em trânsito", 113; 117.</ref>. Nos finais do século XVIII e nas primeiras décadas da centúria seguinte, a experiência cartográfica da Sociedade Real Marítima demonstrou ser importante para a consolidação da diplomacia portuguesa em sede de negociações internacionais<ref name=":5" />. Posteriormente, contribuiu de forma decisiva para a construção da identidade territorial brasileira através do conhecimento geográfico e cartográfico reunido que, entre outras aplicações, potenciou "''a organização das expedições de conquista territorial, levadas ao cabo pelas elites regionais''"<ref>Kantor, "Mapas em trânsito", 111.</ref>. Após a Independência brasileira, em 1822, o "''legado cartográfico foi um dos principais instrumentos de legitimação da novíssima monarquia perante as demais potências''"<ref>Kantor, "Mapas em trânsito".</ref>.  
 
O conhecimento acumulado e promovido pela Sociedade Real Marítima municiava os diplomatas nas negociações internacionais, transformando esta instituição num importante “centro de cálculo” (119)


A criação da Sociedade procurou responder à carência de "''boas cartas hidrográficas''" produzidas no reino, que obrigava os navegadores portugueses, quer pela marinha real, quer pela marinha mercante, a adquirirem cartas estrangeiras que, pelas suas incorreções, "''expunham os navegantes a gravíssimos perigos''". Por outro lado, a criação da Sociedade procurou colmatar a falta de conhecimento preciso sobre o território português propondo-se a publicação de uma "''grande e exata Carta Geral do Reino''", bem como de cartas militares que auxiliassem à defesa do território<ref name=":2" />. Os trabalhos da Sociedade teriam igualmente por objetivo o desenvolvimento económico do reino e dos domínios ultramarinos, o qual passava a ser entendido como estando dependente "''de um mais exato conhecimento dos domínios''"<ref name=":3">Kantor, "Mapas em trânsito", 118.</ref>. Através do desenho de cartas de obras hidráulicas de canais esperava-se "''promover as comunicações interiores, assim como favorecer o estabelecimento de Manufaturas, que se naturalizem facilmente, achando uma situação territorial, que mais lhes convenha''"<ref name=":2">"Alvará com força de lei de 30 de Junho de 1798" publicado em ''Collecção da Legislação Portugueza. Legislação de 1791 a 1801'', 492-493.</ref>. A inauguração dos trabalhos da Sociedade deu-se em 22 de Dezembro de 1798<ref name=":1">Ribeiro, 4:160.</ref>, os quais decorreriam no Arsenal Real da Marinha. Face à diversidade dos mesmos<ref>Pode ser consultada uma relação dos trabalhos lidos em sessões da Sociedade Real em Ribeiro, 4:164-165.</ref> foram divididos em duas classes, nomeadamente, uma primeira destinada às cartas hidrográficas, e uma segunda classe destinada às cartas geográficas, militares e hidráulicas<ref>Ribeiro, 4:160.</ref>.
A criação da Sociedade procurou responder à carência de "''boas cartas hidrográficas''" produzidas no reino, que obrigava os navegadores portugueses, quer pela marinha real, quer pela marinha mercante, a adquirirem cartas estrangeiras que, pelas suas incorreções, "''expunham os navegantes a gravíssimos perigos''". Por outro lado, a criação da Sociedade procurou colmatar a falta de conhecimento preciso sobre o território português propondo-se a publicação de uma "''grande e exata Carta Geral do Reino''", bem como de cartas militares que auxiliassem à defesa do território<ref name=":2" />. Os trabalhos da Sociedade teriam igualmente por objetivo o desenvolvimento económico do reino e dos domínios ultramarinos, o qual passava a ser entendido como estando dependente "''de um mais exato conhecimento dos domínios''"<ref name=":3">Kantor, "Mapas em trânsito", 118.</ref>. Através do desenho de cartas de obras hidráulicas de canais esperava-se "''promover as comunicações interiores, assim como favorecer o estabelecimento de Manufaturas, que se naturalizem facilmente, achando uma situação territorial, que mais lhes convenha''"<ref name=":2">"Alvará com força de lei de 30 de Junho de 1798" publicado em ''Collecção da Legislação Portugueza. Legislação de 1791 a 1801'', 492-493.</ref>. A inauguração dos trabalhos da Sociedade deu-se em 22 de Dezembro de 1798<ref name=":1">Ribeiro, 4:160.</ref>, os quais decorreriam no Arsenal Real da Marinha. Face à diversidade dos mesmos<ref>Pode ser consultada uma relação dos trabalhos lidos em sessões da Sociedade Real em Ribeiro, 4:164-165.</ref> foram divididos em duas classes, nomeadamente, uma primeira destinada às cartas hidrográficas, e uma segunda classe destinada às cartas geográficas, militares e hidráulicas<ref>Ribeiro, 4:160.</ref>.
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Compunham a Sociedade Real quatro ministros de estado na qualidade de presidentes honorários; oficiais da marinha e do exército, sob nomeação régia; professores proprietários e substitutos das duas academias de marinha, leia-se [[Academia Real de Marinha de Lisboa|Academia Real de Marinha]] e [[Academia Real dos Guardas-Marinhas]], e da academia militar do exército, a [[Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho]]; dois professores da Universidade de Coimbra, e os opositores da Faculdade de matemática, por nomeação régia; e do diretor geral dos desenhadores, gravadores e impressores<ref name=":1" /><ref>Uma relação dos membros da sociedade pode ser consultada em Ribeiro, 4:162-163.</ref>. Os trabalhos de desenho e gravação de mapas foram incumbidos a [[Luís Dupuis|Luís André Dupuis]], professor de gravura na [[Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho]]. Com este professor terão colaborado os desenhadores topográficos e funcionários do Real Jardim Botânico da Ajuda, [[José Joaquim Freire (1)|José Joaquim Freire]] e Manuel Tavares da Fonseca<ref>Kantor, "Mapas em trânsito", 118-119.</ref>.   
Compunham a Sociedade Real quatro ministros de estado na qualidade de presidentes honorários; oficiais da marinha e do exército, sob nomeação régia; professores proprietários e substitutos das duas academias de marinha, leia-se [[Academia Real de Marinha de Lisboa|Academia Real de Marinha]] e [[Academia Real dos Guardas-Marinhas]], e da academia militar do exército, a [[Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho]]; dois professores da Universidade de Coimbra, e os opositores da Faculdade de matemática, por nomeação régia; e do diretor geral dos desenhadores, gravadores e impressores<ref name=":1" /><ref>Uma relação dos membros da sociedade pode ser consultada em Ribeiro, 4:162-163.</ref>. Os trabalhos de desenho e gravação de mapas foram incumbidos a [[Luís Dupuis|Luís André Dupuis]], professor de gravura na [[Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho]]. Com este professor terão colaborado os desenhadores topográficos e funcionários do Real Jardim Botânico da Ajuda, [[José Joaquim Freire (1)|José Joaquim Freire]] e Manuel Tavares da Fonseca<ref>Kantor, "Mapas em trânsito", 118-119.</ref>.   


À Sociedade Real em geral, e a ambas as classes no que em particular lhes fosse relativo, era incumbido que propusesse a contratação de artistas nacionais ou estrangeiros para "''a construção, e divisão dos Instrumentos Matemáticos e Físicos de toda a qualidade''", e a indicação dos meios pelos quais a sua criação se pudesse dar. Posteriormente, acrescendo a esses os ''"Artistas, que tenho mandado aprender fora do Reino''", era objetivo a criação de um estabelecimento promotor da criação desses instrumentos e máquinas<ref>"Alvará com força de lei de 30 de Junho de 1798" publicado em ''Collecção da Legislação Portugueza. Legislação de 1791 a 1801'', 496-497.</ref>. Conhece-se a contratação de João de Lattre, impressor inglês, em 1802<ref>Kantor, "Mapas em trânsito", 119.</ref>.   
À Sociedade Real em geral, e a ambas as classes no que em particular lhes fosse relativo, era incumbido que propusesse a contratação de artistas nacionais ou estrangeiros para "''a construção, e divisão dos Instrumentos Matemáticos e Físicos de toda a qualidade''", e a indicação dos meios pelos quais a sua criação se pudesse dar. Posteriormente, acrescendo a esses os ''"Artistas, que tenho mandado aprender fora do Reino''", era objetivo a criação de um estabelecimento promotor da criação desses instrumentos e máquinas<ref>"Alvará com força de lei de 30 de Junho de 1798" publicado em ''Collecção da Legislação Portugueza. Legislação de 1791 a 1801'', 496-497.</ref>. Conhece-se a contratação de João de Lattre, impressor inglês, em 1802<ref name=":5">Kantor, "Mapas em trânsito", 119.</ref>.   


A partir de 1800, por decreto de 6 de Novembro, a Sociedade estava autorizada a estabelecer correspondência científica com as instituições congéneres europeias, bem como com "''os mais célebres astrónomos''"<ref>Ribeiro, 4:162.</ref>.  
A partir de 1800, por decreto de 6 de Novembro, a Sociedade estava autorizada a estabelecer correspondência científica com as instituições congéneres europeias, bem como com "''os mais célebres astrónomos''"<ref>Ribeiro, 4:162.</ref>.  

Revisão das 20h18min de 16 de outubro de 2023


Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica
(valor desconhecido)
Outras denominações Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica para o Desenho, Gravura e Impressão das Cartas Hidrográficas, Geográficas e Militares
Tipo de Instituição Militar
Data de fundação 30 junho 1798
Data de extinção 1807
Paralisação
Início: valor desconhecido
Fim: valor desconhecido
Localização
Localização Ribeira das Naus, Lisboa,-
Início: 30 de junho de 1798
Fim: 1807
Antecessora valor desconhecido

Sucessora valor desconhecido


História

A Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica, para o Desenho, Gravura e Impressão das Cartas Hidrográficas, Geográficas e Militares, ou, abreviadamente, Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica, foi uma instituição criada por alvará com força de lei de 30 de Junho de 1798 no reinado de D. Maria I[1], sob proposta de D. Rodrigo de Sousa Coutinho[2], secretário de estado dos negócios ultramarinos e da marinha. A criação da Sociedade Real efetivou "pela primeira vez, uma política oficial de impressão e comercialização de mapas" nos domínios portugueses e a institucionalização dos saberes cartográficos com vista a desenvolver "novas modalidades de exercício da soberania territorial"[3]. Nos finais do século XVIII e nas primeiras décadas da centúria seguinte, a experiência cartográfica da Sociedade Real Marítima demonstrou ser importante para a consolidação da diplomacia portuguesa em sede de negociações internacionais[4]. Posteriormente, contribuiu de forma decisiva para a construção da identidade territorial brasileira através do conhecimento geográfico e cartográfico reunido que, entre outras aplicações, potenciou "a organização das expedições de conquista territorial, levadas ao cabo pelas elites regionais"[5]. Após a Independência brasileira, em 1822, o "legado cartográfico foi um dos principais instrumentos de legitimação da novíssima monarquia perante as demais potências"[6].

A criação da Sociedade procurou responder à carência de "boas cartas hidrográficas" produzidas no reino, que obrigava os navegadores portugueses, quer pela marinha real, quer pela marinha mercante, a adquirirem cartas estrangeiras que, pelas suas incorreções, "expunham os navegantes a gravíssimos perigos". Por outro lado, a criação da Sociedade procurou colmatar a falta de conhecimento preciso sobre o território português propondo-se a publicação de uma "grande e exata Carta Geral do Reino", bem como de cartas militares que auxiliassem à defesa do território[7]. Os trabalhos da Sociedade teriam igualmente por objetivo o desenvolvimento económico do reino e dos domínios ultramarinos, o qual passava a ser entendido como estando dependente "de um mais exato conhecimento dos domínios"[8]. Através do desenho de cartas de obras hidráulicas de canais esperava-se "promover as comunicações interiores, assim como favorecer o estabelecimento de Manufaturas, que se naturalizem facilmente, achando uma situação territorial, que mais lhes convenha"[7]. A inauguração dos trabalhos da Sociedade deu-se em 22 de Dezembro de 1798[9], os quais decorreriam no Arsenal Real da Marinha. Face à diversidade dos mesmos[10] foram divididos em duas classes, nomeadamente, uma primeira destinada às cartas hidrográficas, e uma segunda classe destinada às cartas geográficas, militares e hidráulicas[11].

À Classe das Cartas Hidrográficas competia justamente "a publicação das Cartas Marítimas ou Hidrográficas, Gerais e Particulares para o serviço da Marinha Real e Mercante", desenhadas a partir da correção das cartas já existentes e "reduzidas ao primeiro Meridiano Português, que se reputará passar pelo Observatório Real da Marinha"; fixar "a forma e grandeza seja da Escala, seja do conteúdo de cada Carta Geral ou Particular"[12]; bem como, "publicar as melhores e as mais correctas Cartas Celestes e Tabuas Astronómicas, pelas últimas Observações, para o uso da Navegação e dos Astrónomos"[13]. Assim, "estavam em preparação: cartas das Costas do Reino e Ilhas, para navegação ao Brasil e portos da América; propunha-se também a execução de mapas de navegação para as costas da África Oriental, Malabar, Coromandel, Bengala, Molucas e China. Embora o mapeamento dos domínios ultramarinos fosse prioritário, a Sociedade Real Marítima também se incumbia de imprimir cartas do Mediterrâneo, do Báltico, dos mares do norte da Europa e da América Setentrional"[8]. Entre os mapas produzidos sublinhe-se a Carta Geographica de Projecção Espherica da Nova Lusitânia ou América Portuguesa e Estado do Brasil, desenhada sob a direcção de António Pires da Silva Pontes Lemes, astrónomo e natural de Minas Gerais, e concluída entre 1797 e 1798, a qual configurou a "principal síntese cartográfica manuscrita dos domínios americanos"[14].

A constituição da Sociedade Real procurou estabelecer um controlo efetivo sobre as cartas marítimas existentes, sendo o garante da sua fiabilidade. A primeira classe ficava encarregue de determinar e aprovar, sob exame, as cartas delineadas pelos seus membros, e subsequentes gravações, ou cópias, das mesmas, fixando-lhes o preço. Demonstrando o controlo que se pretendia exercer sobre o conhecimento cartográfico, determinava-se que ficasse "proibida a venda" das cartas nacionais ou estrangeiras redigidas fora da Sociedade Real "sem que primeiro sejam examinadas e aprovadas por esta classe (...) cobrando e fazendo entrar no seu Cofre o valor da Taxa, que a Sociedade julgar dever-se estabelecer". Desse exame deveria resultar uma relação das cartas estrangeiras cuja venda fosse permitida, "mostrando os erros que possam ainda conter". O exame sobre as cartas marítimas aplicava-se igualmente aos instrumentos de navegação, nomeadamente das agulhas de marear cuja venda ficava dependente dessa avaliação[15].

Para auxiliar no delineamento de cartas marítimas e na correcção das existentes, estabelecia-se a obrigação de todos os pilotos comunicarem à classe as suas derrotas marítimas, ou seja os percursos, podendo ser convocados os "mais hábeis, para elucidar qualquer ponto que seja necessário determinar com maior probabilidade". A classe podia ainda servir-se das viagens realizadas por "Comandantes das Embarcações de Guerra, Charruas ou Correios Marítimos" encarregando-os de exames para "o melhor e mais exacto conhecimento das Costas", ou requer para esse fim a realização de viagens marítimas e o auxílio de cruzeiros[13]. Por fim, a classe ficava encarregue da redação de novo roteiro, com a correcção do anterior, servindo-se "não só de todas as novas Observações dos Pilotos da Minha Marinha Real e da Mercante, mas de todas as que se acham nas Viagens, que ultimamente têm feito célebres Navegadores, e nos Roteiros publicados pelas Nações que mais se têm distinguido pela extensão da sua Navegação, e finalmente de tudo o que coligir dos melhores Neptunos e Cartas Hidrográficas, que todas comprará para ajuntar ao Depósito das Cartas que for publicado"[13]. Em 1809, a Classe das Cartas Hidrográficas adotou regulamento profissional próprio[16].

À Classe das Cartas Geográficas, Militares e Hidráulicas competia "por primeiro e principal objecto a publicação da excelente Carta Geográfico-Topográfica do Reino" a realizar segundo "as mais perfeitas medidas Trigonométricas, e ligada a Observações Astronómicas". A partir da carta geral, a classe deveria deduzir "Cartas parciais do Reino (...) a fim de promover a execução, em todas as Províncias do Reino, de um (...) Cadastro de todas elas e dos seus produtos. Ficava ainda incumbida do desenho das cartas militares "para melhor se determinarem os princípios, com que se deve segurar a defesa do Reino, e seus Domínios Ultramarinos", e da sua guarda em depósito; bem como do desenho e gravação de cartas de canais e obras hidráulicas com vista ao desenvolvimento quer das comunicações interiores do reino, quer da irrigação dos terrenos agrícolas[17].

Compunham a Sociedade Real quatro ministros de estado na qualidade de presidentes honorários; oficiais da marinha e do exército, sob nomeação régia; professores proprietários e substitutos das duas academias de marinha, leia-se Academia Real de Marinha e Academia Real dos Guardas-Marinhas, e da academia militar do exército, a Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho; dois professores da Universidade de Coimbra, e os opositores da Faculdade de matemática, por nomeação régia; e do diretor geral dos desenhadores, gravadores e impressores[9][18]. Os trabalhos de desenho e gravação de mapas foram incumbidos a Luís André Dupuis, professor de gravura na Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho. Com este professor terão colaborado os desenhadores topográficos e funcionários do Real Jardim Botânico da Ajuda, José Joaquim Freire e Manuel Tavares da Fonseca[19].

À Sociedade Real em geral, e a ambas as classes no que em particular lhes fosse relativo, era incumbido que propusesse a contratação de artistas nacionais ou estrangeiros para "a construção, e divisão dos Instrumentos Matemáticos e Físicos de toda a qualidade", e a indicação dos meios pelos quais a sua criação se pudesse dar. Posteriormente, acrescendo a esses os "Artistas, que tenho mandado aprender fora do Reino", era objetivo a criação de um estabelecimento promotor da criação desses instrumentos e máquinas[20]. Conhece-se a contratação de João de Lattre, impressor inglês, em 1802[4].

A partir de 1800, por decreto de 6 de Novembro, a Sociedade estava autorizada a estabelecer correspondência científica com as instituições congéneres europeias, bem como com "os mais célebres astrónomos"[21].

Em consonância com a missão de que estava incumbida a Sociedade Real, o alvará fundador estabelecia também quatro prémios anuais no valor de 300 mil réis para "recompensar os membros da sociedade, ou outros indivíduos, que mais se distinguissem nos trabalhos de que fossem encarregados"; e dois prémios no valor de 200 mil réis "para recompensar, ou os pilotos que apresentassem o melhor roteiro, ou quem escrevesse as melhores memórias sobre objetos hidrográficos ou geográficos, ou sobre as ciências exatas que mais íntima conexão têm com as coisas marítimas"[22][23].

Baseando-se no testemunho de José Maria Dantas Pereira, membro da Sociedade Real, José Silvestre Ribeiro refere que a Sociedade Real "não foi extinta por determinação legal; mas deixou de existir em 1806, ou para melhor dizer, desde que a corte passou em 1807 para o Brasil"[24]. Esta informação parece ser corroborada por Max Justo Guedes que refere que a Sociedade Real terá funcionado pelo menos até 1805[25]. Segundo Silvestre Ribeiro o espólio da Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica terá sido dividido e transportado até ao continente americano em duas fases, numa primeira fase juntamente com a corte e a Família Real, e, numa segunda fase, "acompanhando o remanescente espólio da Companhia dos Guardas Marinhas"[24]. No que concerne à relação entre as duas instituições, Iris Kantor colocou a hipótese de que "a Sociedade Real Marítima tenha sido incorporada pela Academia Real dos Guardas-Marinhas" dadas as afinidades de ambas as instituições na produção de cartas hidrográficas. A autora corrobora a informação sobre a transferência do espólio da Sociedade Real, mencionando a incorporação de cerca de 1000 mapas no Arquivo Militar, criado no Rio de Janeiro em 7 de Abril de 1808, e instalado no mosteiro de S. Bento, onde igualmente fora instalada a Academia Real dos Guardas-Marinhas. Posteriormente, foi ordenado aos governadores das capitanias que enviassem os mapas e as cartas geográficas e topográficas dos seus territórios para aquele arquivo[26].

Outras informações

Notas

  1. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 4:157.
  2. Ribeiro, 4:161.
  3. Kantor, "Mapas em trânsito", 113; 117.
  4. 4,0 4,1 Kantor, "Mapas em trânsito", 119.
  5. Kantor, "Mapas em trânsito", 111.
  6. Kantor, "Mapas em trânsito".
  7. 7,0 7,1 "Alvará com força de lei de 30 de Junho de 1798" publicado em Collecção da Legislação Portugueza. Legislação de 1791 a 1801, 492-493.
  8. 8,0 8,1 Kantor, "Mapas em trânsito", 118.
  9. 9,0 9,1 Ribeiro, 4:160.
  10. Pode ser consultada uma relação dos trabalhos lidos em sessões da Sociedade Real em Ribeiro, 4:164-165.
  11. Ribeiro, 4:160.
  12. "Alvará com força de lei de 30 de Junho de 1798" publicado em Collecção da Legislação Portugueza. Legislação de 1791 a 1801, 494.
  13. 13,0 13,1 13,2 "Alvará com força de lei de 30 de Junho de 1798" publicado em Collecção da Legislação Portugueza. Legislação de 1791 a 1801, 495.
  14. Kantor, "Mapas em trânsito", 113-114.
  15. "Alvará com força de lei de 30 de Junho de 1798" publicado em Collecção da Legislação Portugueza. Legislação de 1791 a 1801, 494-495.
  16. Ribeiro, 4:162.
  17. "Alvará com força de lei de 30 de Junho de 1798" publicado em Collecção da Legislação Portugueza. Legislação de 1791 a 1801, 496.
  18. Uma relação dos membros da sociedade pode ser consultada em Ribeiro, 4:162-163.
  19. Kantor, "Mapas em trânsito", 118-119.
  20. "Alvará com força de lei de 30 de Junho de 1798" publicado em Collecção da Legislação Portugueza. Legislação de 1791 a 1801, 496-497.
  21. Ribeiro, 4:162.
  22. Ribeiro, 161-162.
  23. Pode ser consultada uma relação dos trabalhos premiados em Ribeiro, 4:165-166.
  24. 24,0 24,1 Ribeiro, 4:167.
  25. Max Justo Guedes, “Primórdios da Hidrografia científica no Brasil”. Anais Hidrográficos 31, (1974): 80, citado em Kantor, "Mapas em trânsito", 119.
  26. Kantor, "Mapas em trânsito", 120.

Fontes

Collecção da Legislação Portugueza. Legislação de 1791 a 1801. Lisboa: Typographia Maigrense, 1828.

Bibliografia

Kantor, Iris. "Mapas em trânsito: projeções cartográficas e processo de emancipação política do Brasil (1779-1822)". Revista Iberoamericana de Filosofía, Política y Humanidades 12, no. 24 (2.º sem. 2010): 110-123.

Ribeiro, José Silvestre. Historia dos estabelecimentos scientificos litterarios e artisticos de Portugal nos sucessivos reinados da Monarquia. Vol. 4. Lisboa: Typografia Real da Academia de Sciencias, 1874.

Ligações Internas

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Categoria:Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica

Ligações Externas

Leme, António Pires da Silva Pontes. Carta geographica de projecçaõ espherica orthogonal da Nova Lusitania ou America Portugueza e Estado do Brazil. 1798.

Autor(es) do artigo

João de Almeida Barata

https://orcid.org/0000-0001-9048-0447

Financiamento

Fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto TechNetEMPIRE | Redes técnico-científicas na formação do ambiente construído no Império português (1647-1871) PTDC/ART-DAQ/31959/2017

DOI

https://doi.org/10.34619/xrxt-ptae

Citar este artigo

Almeida Barata, João de. "Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica", in eViterbo. Lisboa: CHAM - Centro de Humanidades, FCSH, Universidade Nova de Lisboa, 2022. (última modificação: 16/10/2023). Consultado a 18 de maio de 2024, em https://eviterbo.fcsh.unl.pt/wiki/Sociedade_Real_Mar%C3%ADtima,_Militar_e_Geogr%C3%A1fica. DOI: https://doi.org/10.34619/xrxt-ptae