Academia Real das Ciências de Lisboa

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Academia Real das Ciências de Lisboa
(valor desconhecido)
Outras denominações Academia Real das Sciencias de Lisboa‎, Academia das Ciências de Lisboa, Academia das Sciências de Lisboa
Tipo de Instituição Cultural
Data de fundação 24 dezembro 1779
Data de extinção 27 junho 1918
Paralisação
Início: valor desconhecido
Fim: valor desconhecido
Localização
Localização Palácio das Necessidades, Lisboa,-
Início: 24 de dezembro de 1779
Fim: 1834
Antecessora valor desconhecido

Sucessora Academia das Ciências de Lisboa


História


A Academia das Ciências de Lisboa[1] foi criada por aviso régio de 24 de Dezembro de 1779, "à imitação de todas as Nações cultas" para consagração da "glória e felicidade pública, para adiantamento da Instrução Nacional, perfeição das Ciências e das Artes e aumento da indústria popular"[2]. A criação da Academia surgiu no rescaldo de um período marcado pelo "modelo das academias literárias, de inspiração barroca"[3], como a Academia Real de História[4], operando uma ruptura com o mesmo. Por outro lado, se a sua criação foi uma novidade no plano científico português e do império, esta surgiu já tardiamente face ao contexto europeu[5]. Neste espaço a fundação de Academias e Sociedades científicas ocorrera a partir do século XVII como resposta institucional à incapacidade das estruturas universitárias, de tradição medieva, em acompanhar os novos paradigmas resultantes da Revolução Científica. As novas instituições reivindicaram-se como novas "instâncias de institucionalização, comunicação/circulação e profissionalização da ciência[6]. Resultante do contexto específico em que foi fundada, a Academia das Ciências de Lisboa apresentou um programa de trabalhos - diversificado entre as ciências naturais, a economia, a literatura, as artes, entre outras áreas de conhecimento -, caracterizado por um "hibridrismo" assente numa visão "polissémica do entendimento daquilo que são as 'Ciências'"[7].

A primeira sessão da Academia das Ciências ocorreu em 16 de Janeiro de 1780, na qual adoptou o lema Nisi utile est quod facimus stulta est gloria, com a tradução, "Se não for útil aquilo que fazemos, a glória é vã"[8][9]. A instituição foi apresentada publicamente em 4 de Julho de 1780[10]. No processo da fundação destaca-se a intervenção de D. João de Bragança, Duque de Lafões, enquanto promotor da instituição junto do poder régio, arregimentando o seu apoio[11][12]. Em 13 de Maio de 1783, a instituição recebeu a proteção da rainha D. Maria I, adotando no título a designação "Real"[13].

No contexto político, a fundação da Academia ocorreu após a queda do Marquês de Pombal, pelo que alguns dos opositores políticos participaram nela, que, dessa forma, funcionou como "o veículo ideal de afirmação e validação cultural das suas propostas"[14]. A Academia reuniria no mesmo espaço "uma certa aristocracia letrada, anteriormente apeada por Pombal, e que agora (...) vai recuperando o seu lugar, com outra aristocracia, também letrada mas que, por táctica ou convicção, esteve ao lado de Pombal"[11].

Para a constituição da Academia e no período inicial do seu funcionamento teve destaque a contribuição do abade José Francisco Correia da Serra, secretário da instituição e "homem de vasta erudição, eminente em história natural". O seu trabalho dedicou-se principalmente sobre a "divisão das três classes académicas; o projeto dos estatutos da academia; a ordem para o seu Museu; os seus primeiros actos públicos; os programas que imprimiu no começo dos seus trabalhos, [que] se não foram, na maior parte, obra de José Correia da Serra, dimanaram em todo o caso do seu conselho"[15].

Já no período do liberalismo, a utilidade da Academia Real viria a ser discutida em confronto com a despesa realizada com a mesma durante a discussão do orçamento do estado de 1823. A apreciação de alguns deputados, como Manuel Borges Carneiro, seria negativa face ao que considerava ser o "luxo" científico dos sócios da instituição. Esta argumentação foi contra-argumentada por José Correia da Serra e outros deputados[16]. Não obstante, o debate terminaria inconsequente uma vez que não "resultou reforma alguma na constituição da academia", apesar de nos anos seguintes o orçamento da Academia Real ter sido reduzido[17].

Finda a Guerra Civil de 1832-1834, a regência de D. Pedro I, através do seu ministro do reino, Bento Pereira do Carmo, atendeu à necessidade de reorganizar a Academia Real das Ciências, uma vez ser evidente "o estado de desorganização a que chegou". Com fim de dar à Academia uma "nova forma compatível com o atual sistema de governo que tanto tem feito para o progresso e cultura das ciências (...) em harmonia com o que se pratica nos países ais cultos da Europa" foi constituída uma comissão interna, da qual fez parte o secretário da Academia Sebastião Mendo Trigoso, para a redação dos novos estatutos[18]. A transição da Academia Real das Ciências para a nova ordenação política, social e económica, resultante da vitória do partido liberal, foi formalizada nos Estatutos de 15 de Outubro de 1834[19].

Em 1840, a Academia era dotada, a seu pedido, de novos Estatutos datados de 15 de Abril. Contudo, destes resultaram apenas "transformações tão pouco importantes, ou antes tão superficiais", sendo alteradas a pertença a determinadas categorias de sócios, entre outras pequenas alterações[20].

Em 1851, por decreto de 13 de Dezembro, os Estatutos da Academia eram reformulados segundo os trabalhos da comissão nomeada pelo governo em meados desse ano. O principal objetivo dos novos Estatutos foi compatibilizar a instituição com os progressos científicos alcançados, sublinhando-se a "cultura, propagação e adiantamento das ciências" como missão da instituição[21]. Esta missiva deveria ser alcançada através de diversos canais e instrumentos, a saber: investigações, a análise crítica de memórias e estudos científicos, a exposição da instituição e dos seus membros aos progressos científicos estrangeiros, a publicação de memórias, estudos e jornais, a ampliação das suas colecções, a abertura de cursos, o "estudo especial do solo português", entre outras[22]. A mobilidade dos sócios entre categorias era também regulamentada, à semelhança dos anteriores documentos orgânicos que regeram a instituição[23]. O regulamento da Academia relativo aos Estatutos de 1851 data de 22 de Outubro de 1852[24].

A partir de 1910, com a Implantação da República portuguesa, a designação da instituição passou a Academia das Ciências de Lisboa[25]. A organização da Academia ter-se-á mantido com poucas ou nenhumas alterações desde o regulamento de 1852, não tendo sido encontrados estatutos publicados posteriormente. Já na vigência da Primeira República, os Estatutos da Academia foram reformulados em 1918[26], data que adoptamos como baliza cronológica para esta síntese..

Do núcleo de fundadores da Academia faziam parte "D. João de Bragança (1719 – 1806), 2º duque de Lafões, o abade Correia da Serra (1751 – 1823), Domingos Vandelli, professor da Universidade de Coimbra e o seu discípulo, o visconde de Barbacena, 3 oratorianos - Teodoro de Almeida, Joaquim de Fóios (1733 – 1811) e João Faustino (1736 – 1820) - Gonçalo Xavier de Alcáçova Carneiro (1712 – 1785), secretário da Academia Real de História, Bartolomeu da Costa (1732 – 1801), o 7º conde de Tarouca, Fernando Teles da Silva Caminha e Menezes (1754 – 1818), D. Miguel Lúcio de Portugal e Castro (1722 – 1785), Pedro José da Fonseca (1727 – 1816), professor de retórica, poética e história no Colégio dos Nobres, Fr. Vicente Ferrer da Rocha (1727 – 1814), dominicano e professor de filosofia e [D. Domingos José de Assis Mascarenhas] o principal Mascarenhas (1752 – 1791), principal da Igreja Patriarcal"[27]. A proximidade da Academia à aristocracia portuguesa permitiu a participação indirecta de outros agentes culturais, nomeadamente do género feminino, como Teresa de Mello Breyner, condesa do Vimieiro, cujo marido Sancho de Faro e Sousa era sócio supranumerário da Academia. Encontrando-se próxima do círculo do duque de Lafões, assistiu às sessões da Academia e teve participação na escola de desenho, de pintura e de escultura constituída por iniciativa daquele primeiro[28].

A composição profissional do conjunto dos sócios efectivos existentes em 1780 apresentava uma maioria de 13 sócios ligados à docência de âmbito universitário, clerical ou régio. Os sócios remanescentes distribuíam-se por actividades relacionadas com os ofícios de administração pública, as belas artes, o ramo militar, em que se destaca também a engenharia militar, a filosofia natural, a matemática ou a medicina[29]. Entre a 1790 e 1838, a composição profissional dos sócios efectivos sofreu alterações significativas com destaque para o peso adquirido pelas actividades ligadas à burocracia administrativa (magistrados, diplomatas, deputados, etc.). A docência manteve-se como a profissão com mais representatividade entre os sócios efectivos. Observa-se a presença crescente de "professores engenheiros militares - de matemática, astronomia ou teórica de navegação [que se tornaram] maioritários a partir da década de 1820, ultrapassando mesmo o, até aí, habitual domínio dos professores da UC [Universidade de Coimbra] cujo peso nas duas classes de ciências (...) começou a diminuir a partir do início do século"[30]. A maioria dos professores militares pertencentes à secção de ciências exactas seriam engenheiros militares, com excepção de José Maria Dantas Pereira, Francisco Borja Garção Stockler, Filipe Folque ou José Cordeiro Feio. Alguns daqueles professores tinham igualmente participação na Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica[31]. A presença destes profissionais na Academia pode ser entendida como sintomática quer da reorganização do ensino superior em finais do século XVIII e na década de 30 da centúria seguinte, que retirou protagonismo à Universidade de Coimbra com a fundação das Academias Reais (de Marinha, de Fortificação, Artilharia e Desenho, e dos Guardas-Marinhas) e de instituições de ensino militar como a Escola Politécnica de Lisboa ou a Escola do Exército; quer da "legitimação dum saber técnico-científico de novo tipo protagonizado por esses professores e engenheiros militares", nomeadamente a cartografia, a geografia e a topografia, que sustentaram o reconhecimento e apropriação do território, principalmente colonial, e a "reconfiguração do Estado moderno" entre finais do século XVIII e as primeiras décadas do século seguinte[32].

No que concerne à distribuição geográfica dos sócios correspondentes, livres e supranumerários no período entre 1780 e 1838, verificou-se um aumento gradual de sócios de origem luso-brasileira[33] face ao número, inicialmente elevado, de sócios com origem europeia, o que se explica pela "reconfiguração nos objectivos iniciais do recrutamento dos sócios da ACL, sintonizando-a mais com os 'sentidos do império' e conferindo-lhe uma especificidade que a distinguia das suas congéneres europeias"[34]. Essa orientação para com as necessidades imperiais pode explicar que na origem da presença crescente de académicos brasileiros estejam os esforços da coroa portuguesa em mobilizar os novos saberes técnico-científicos, atrás referidos, em viagens de demarcação de fronteiras e reconhecimento naturalista nos territórios colonais, que assegurassem o seu domínio pela coroa portuguesa face ao avanços das demais potências coloniais europeias[35].

A produção científica dos sócios da Academia Real das Ciências foi publicada na forma de Memórias, as quais eram propriedade da instituição. Estas versavam sobre "coisas novas, ou aperfeiçoadas de maneira que interessem ao público"[36]. Para proteção desse património os poderes régios consignaram à Academia o exclusivo da sua publicação durante 10 anos, com excepção das "obras particulares de cada um dos sócios; pois que estas somente poderiam ser privilegiadas (...) quando fossem impressas à custa da academia, ou quando os seus próprios autores pedissem o privilégio para eles"[37]. A partir de 1799, as Memórias publicadas foram organizadas em três colecções distintas: literatura portuguesa, "contendo pela maior parte dissertações sobre a história e jurisprudência de Portugal"[38]; económicas; e matemática e física[39]. Entre Março de 1857 e Novembro de 1858, a Academia Real publicou um jornal sob o título "Annaes das Sciencias e das Lettras publicados debaixo dos auspicios da Academia Real das Sciencias"[40]. A primeira classe igualmente periódico próprio com o título "Jornal de sciencias mathematicas, physicas e naturaes, publicado sob os auspícios da Academia Real das Sciencias de Lisboa"[41].

Outras informações

A presidência da Academia Real era um cargo de nomeação perpétua. A primeira nomeação recaiu em D. João de Bragança, duque de Lafões, em funções até 1806. Foi sucedido por D. Pedro Carlos de Bourbon e Bragança a partir de 1810. Na mesma data a Academia Real adoptava uma norma segundo a qual a presidência deveria recair sempre em príncipe de sangue da Casa Real portuguesa[42]. A partir de 1821, o infante D. Miguel, futuro rei D. Miguel I, ocupou o lugar de presidente da Academia[43]. A presidência recaiu nos chefes de estado portugueses até 1910.

A gestão da Academia foi incumbida ao Conselho da Academia a partir de 1786 e até 1810. Nesta data foi extinto passando a ser substituído pela assembleia dos sócios efectivos[44]. Este órgão era composto pelo presidente, o secretário, o tesoureiro, os diretores de classes e um deputado eleito anualmente em uma das classes[45]: "Pertencia-lhe, além do expediente das censuras, todo o poder executivo, na forma dos estatutos e assentos, ou deliberações particulares (...) a administração ordinária e regular de suas rendas; e a autoridade de informar e preparar todos os negócios que devessem ser apresentados ou consultados"[46]. Os Estatutos de 1834 instituíram um órgão semelhante àquele Conselho, responsável pelo governação económica e literária, ou científica, e composto pelo vice-presidente, o secretário e vice-secretário, o tesoureiro, os diretores das classes, o guarda-mor, e os decanos das classes[47].

No que concerne à organização da Academia Real, segundo o Plano de Estatutos de 1780, as matérias científicas eram divididas em três classes de acordo com os seguintes quesitos: na primeira, a "Classe das Ciências de Observação"[48], "indagarão a qualidade, leis e propriedades dos corpos por meio da observação e da análise, os efeitos e novas propriedades que resultarão da combinação de uns com outros, e o como e porque dos fenómenos naturais"; na segunda, a "Classe das Ciências de Cálculo"[49], indagarão "o quanto deles, e as relações e propriedades da grandeza, tanto em geral como em particular". À primeira classe ficavam adstritas as ciências de Meteorologia, Química, a Anatomia, a Botânica e a História Natural de todos os corpos, e à segunda classe as ciências de Aritmética, a Geometria, a Mecânica, a Astronomia, entre outras[50]. Na terceira classe, "das Belas Artes"[51], incluíam-se os "vários ramos da Literatura Portuguesa"[52][53]. Esta organização foi conservada pelos Estatutos de 1834[54] e apenas reformulada pelos Estatutos de 1851. De acordo com estes últimos, estabeleciam-se apenas duas classes cujos trabalhos eram organizados, pela primeira vez, em secções: a 1.ª classe, de ciências, relativa às ciências matemáticas, físicas e naturais, compunha-se das secções de ciências matemáticas, ciências físicas, ciências histórico naturais e ciências médicas; a 2.ª classe, de letras, relativa às "ciências morais e políticas e belas artes", compunha-se das secções de literatura, ciências morais e jurisprudência, ciências económicas e administrativas e, história e arqueologia[55]. Em 1853, foi criada a secção de "ciências aplicadas" na 1.ª classe[56].

Os membros da Academia Real distinguiam-se entre quatro classes de académicos segundo o Plano de 1780[57]: os sócios efetivos, em número de 24, aos quais caberia o governo económico da Academia; os sócios supranumerários, que para tal eram obrigados à apresentação de uma memória por ano, ou "algum testemunho da sua aplicação"; os sócios honorários, em número de 12, escolhidos por entre "as Pessoas condecoradas com as maiores Dignidades e Empregos do Estado"; e os sócios estrangeiros "insignes pelas suas letras e famosos pelas suas obras", igualmente em número de 12[58]. Acresciam ainda os sócios correspondentes em número máximo de 100 cuja dispensabilidade de habitarem em Lisboa permitiu a sua difusão geográfica, nomeadamente na Europa e no império português com destaque para o Brasil[53]. Em 1789, foi decidida a criação de dois lugares de sócios veteranos nas classes de sócios efectivos e supranumerários, e a inclusão dos ministros de estado entre os sócios honorários. Esta última alteração poderá ter configurado uma estratégia por parte da Academia para a sua integração "nos circuitos de decisão política governamental, à custa de uma diminuição da sua autonomia, e também como uma valorização simbólica do seu papel de aconselhamento técnico-científico"[59].

A partir de 1834, os sócios da Academia distinguiam-se entre efetivos, oito em cada classe, livres ou honorários, acrescendo os lugares de sócios correspondentes[60]. Em 1840, a Academia passava a integrar membros na qualidade de sócios veteranos e estrangeiros[61]. O número de sócios em cada classe, com a correspondente distribuição pelas secções de cada uma, aumentou para 20 em 1851[62]. Segundo os Estatutos aprovados nesse ano, a distribuição dos sócios pelas respectivas secções das classes foi determinada por comissão nomeada pelo governo[63]. Segundo o Regulamento de 1852, acima citado, a Academia passou a convidar sócios externos para comporem as secções das suas classes na qualidade de sócios efetivos supranumerários[64]. Em 1868, foi reformada a admissão dos sócios efetivos, correspondentes e associados provinciais[65].

Os trabalhos da Academia Real das Ciências iniciavam-se com a realização da abertura solene em Outubro, e encerravam com a entrega de prémios em assembleia reunida em Julho. A Academia reunia-se duas vezes em cada mês, uma sessão de carácter semipúblico, em que se liam as Memórias escritas pelos sócios, e uma segunda sessão de economia particular unicamente composta pelo corpo efetivo da Academia[66].

Aquando da fundação da Academia Real, estava prevista a criação de uma classe de estudos composta por "vinte e quatro alunos, moços nobres, de doze anos para cima, cuja direção nos estudos haja de tomar com grande empenho à sua conta, fazendo-os assistir para este fim às sessões que lhe parecer, e excitando entre eles a emulação e gosto para as Ciências e para o Estudo"[67]. Não obstante, a experiência educativa seria discutida com a oposição de alguns sócios que consideravam ser aquele ensino "impraticável nas [academias] de invenção", uma vez que a frequência nas sessões apenas podia ser aproveitada com "bons estudos elementares", próprios de "Academias de ensino"[67][68]. Ainda no campo da instrução, conhece-se, a partir de 1792, a "realização intermitente, no Gabinete de História Natural e Física da Academia e no Museu Maynense, de demonstrações públicas de história natural e de física experimental". Estas demonstrações foram possíveis devido à doação do referido Museu pelo padre franciscano José Mayne, geral da Congregação da Ordem Terceira de S. Francisco[69]. A partir de 1859, a Academia Real acolheu nas suas instalações o Curso Superior de Letras, antecessor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa criada em 1911[70].

A Academia Real adoptou uma intervenção de carácter técnico junto dos poderes públicos, aconselhando-os na concepção de políticas públicas "em troca de autonomia, apoio financeiro e legitimação política". Ao longo da sua existência assinala-se a criação de várias comissões técnico-científicas com esse propósito, nomeadamente, "a comissão [ou Junta] de indústria, a comissão para a análise das quinas, a comissão para a uniformidade dos pesos e medidas e a comissão para a vacina antivariólica", entre outras que surgiram por iniciativa governamental[71]. Constituiram-se igualmente comissões por iniciativa da Academia Real como a comissão para a composição de um Dicionário de Língua Portuguesa e a comissão de História[72]. Entre as iniciativas da Academia conta-se a fundação da Instituição Vacínica, que conheceu funcionamento entre 1812 e 1821 com o objectivo de difundir a vacinação contra a varíola e o estudo sobre a vacina[73].

Fruto da indefinição sobre a sua localização constante do aviso régio fundador, a Academia Real esteve instalada em várias localizações: no Palácio das Necessidades entre 1779 e 1791/1792; num palácio "na esquina entre a rua do Poço dos Negros e o beco do Carrasco" entre 1791/1792 e 1795/1796; no Palácio do Monteiro-mor ou dos condes de Castro Marim entre 1795/1796 e 18000; no Palácio do duque de Palmela até 1823; no colégio dos Monges Beneditinos na Estrela entre 1823 e 1832; no Palácio dos condes dos Lumiares entre 1832 e 1834. Em 1834, após extinção das ordens religiosas, a Academia Real foi instalada definitivamente no extinto Convento de Nossa Senhora de Jesus da Ordem Terceira de São Francisco[74]. Em 1854, as instalações da Academia acolheram as aulas da Escola Politécnica de Lisboa, após a destruição nas antigas instalações do Colégio dos Nobres, dispondo as suas colecções ao ensino daquela instituição[75].

Consideravam-se estabelecimentos anexos à Academia Real das Ciências a "Livraria, Museu, Gabinete de Física, Laboratório Químico, e Oficina"[76][77]. A oficina tipográfica[78] foi criada em 1782[79] e reorganizada em 1852 com um aumento do número de quadros profissionais[80]. A biblioteca da Academia Real foi criada em 1779, sendo reunida, em 1834, à "livraria do extinto convento da Terceira Ordem da Penitência", altura em que se abre ao público. No ano de 1834, a Academia recebia à sua guarda e administração o património científico do Padre José Mayne, nomeadamente a "um Museu e Gabinete de Medalhas e Pinturas [e] uma Cadeira de História Natural"[81]. Em 1849, a Biblioteca da Academia contava com 50 000 volumes impressos e cerca de 2000 manuscritos[82]. José Silvestre Ribeiro narrou pequenos apontamentos acerca da evolução da biblioteca e do museu, sublinhando o seu enriquecimento por contributos nacionais e estrangeiros. Em 1854, os instrumentos do Gabinete de Física foram renovados e concertados, sendo "compradas colecções na Alemanha"[83]. Em 1860, as duas bibliotecas da Academia totalizavam 70 000 volumes[84].

Em 1858, por carta de lei de 9 de Março, o Museu de História Natural era transferido para a gestão da Escola Politécnica de Lisboa, sendo os instrumentos incorporados nos gabinetes de zoologia e mineralogia daquela Escola.

Para a sustentação financeira da Academia Real parte dos montantes alcançados com a lotaria, emitida pela Santa Casa da Misericórdia, eram aplicados às duas despesas, à semelhança do Hospital Real de S. José ou a Real Casa dos Expostos[85].

Notas

  1. Alertando para a lacuna existente no campo historiográfico português quanto às instituições científicas, nomeadamente as academias de ciências, Jorge Silva apresenta uma descritiva crítica sobre a produção historiográfica relativa à Academia das Ciências entre o século XIX e XX: vide, Silva, "A Academia Real das Ciências", 11-30.
  2. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 2:37.
  3. Silva, "A Academia Real das Ciências", 31-32.
  4. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 2:267.
  5. Silva, "A Academia Real das Ciências", 12.
  6. Silva, 1-2.
  7. Silva, 4; 55.
  8. Figueiredo, "O que é a Academia (Real) das Ciências", 299.
  9. "História da Academia", Academia das Ciências de Lisboa. Visualizado em 30 Setembro, 2022.
  10. Silva, "A Academia Real das Ciências", 31.
  11. 11,0 11,1 Silva, "A Academia Real das Ciências", 41.
  12. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 10:38.
  13. Por ocasião é emitida uma medalha comemorativa com a inscrição: "Marie. Augustae. Lusitanorum. Reginae. Fautrici. Et Ornatrici Suae Academia Scient. Olisip. Regio Aucta Aere Et Nomine". José Silvestre Ribeiro apresenta uma descrição da medalha por Manuel Bernardo Lopes Fernandes consultável em Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 2:58.
  14. Silva, "A Academia Real das Ciências", 39.
  15. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 2:38.
  16. Ribeiro, 2:351-359.
  17. Ribeiro, 2:360; 364.
  18. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 6:13.
  19. Ribeiro, 6:115.
  20. Ribeiro, 6:127-128.
  21. Ribeiro, 6:139.
  22. Ribeiro, 6:140.
  23. Ribeiro, 6:141.
  24. Ribeiro, 6:142.
  25. Figueiredo, "O que é a Academia (Real) das Ciências", 297.
  26. Decreto n.º 4480, 27 de Junho de 1918, Diário do Govêrno, no. 141, 27 de Junho de 1918, 1001-1007.
  27. Silva, "A Academia Real das Ciências", 52-53.
  28. Vide, Vazquez, Raquel Bello. "Uma certa ambiçaõ de gloria - Trajectória, redes e estratégias de Teresa de Mello Breyner nos campos intelectual e do poder em Portugal (1770-1798)". Tese de Doutoramento, Universidade de Santiago de Compostela, 2005, citado em Silva, "A Academia Real das Ciências", 42.
  29. Silva, "A Academia Real das Ciências", 89-90. Para a composição social dos sócios efectivos de 1780 vide as páginas 88-89.
  30. Silva, 96-98.
  31. Silva, 100.
  32. Silva, 101-102.
  33. Para o recenseamento dos sócios de origem luso brasileira até 1822 vide Lima, Péricles Pedrosa. "Homens de ciência a serviço da Coroa. Os intelectuais do Brasil na Academia Real das Ciências de Lisboa, 1779-1822". Tese de Mestrado, Universidade de Lisboa, 2009, citado em Silva, "A Academia Real das Ciências", 139.
  34. Silva, 139-141.
  35. Silva, 142-143.
  36. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 2:54.
  37. Ribeiro, 2:56.
  38. Ribeiro, 2:283.
  39. Ribeiro, 2:282.
  40. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 10:63.
  41. Ribeiro, 10:76.
  42. Silva, "A Academia Real", 83-84.
  43. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 2:350.
  44. Silva, "A Academia Real", 45.
  45. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 2:53.
  46. Ribeiro, 2:54.
  47. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 6:118.
  48. Pertenceram a esta classe Domingos Vandelli, José Correia da Serra, João Faustino, Bartolomeu da Costa, Fr. Vicente Ferrer da Rocha, Luiz António Furtado de Mendonça (Visconde de Barbacena), António José Pereira e António Soares Barbosa. Silva, "A Academia Real das Ciências", 51.
  49. Pertenceram a esta classe Teodoro de Almeida, Marquês de Alorna, conde de Azambuja, José Joaquim de Barros, José Monteiro da Rocha, Miguel Franzini e João António Dalla Bella. Silva, "A Academia Real das Ciências", 51.
  50. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 2:39.
  51. Pertenceram a esta classe o duque de Lafões, Joaquim de Foios, conde de Tarouca, Pedro José da Fonseca, o Principal Mascarenhas, D. Miguel de Portugal e Castro, Gonçalo Xavier de Alcáçova Carneiro, e António Pereira de Figueiredo. Silva, "A Academia Real das Ciências", 51.
  52. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 2:39-40.
  53. 53,0 53,1 Silva, "A Academia Real das Ciências", 51.
  54. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 6:116.
  55. Ribeiro, 6:140.
  56. Ribeiro, 6:143.
  57. Pode ser consultada a caracterização socioprofissional dos sócios de cada classe para o período entre 1780 e 1834 em Silva, "A Academia Real das Ciências", 67-135.
  58. Silva, 48-49.
  59. Silva, 49-50.
  60. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 6:116-117.
  61. Ribeiro, 6:128.
  62. Ribeiro, 6:140.
  63. Ribeiro, 6:142.
  64. Ribeiro, 6:143.
  65. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 10:84.
  66. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 2:42.
  67. 67,0 67,1 Ribeiro, 2:41.
  68. Silva, "A Academia Real das Ciências", 44-45.
  69. Silva, 45.
  70. Protásio, "Academia Real das Ciências de Lisboa II", 10. Vide, Protásio, "Academia Real das Ciências de Lisboa II" e Cardoso, "Academia Real das Ciências de Lisboa I" para a contribuição dos sócios da Academia Real no desenvolvimento da historiografia portuguesa nos séculos XVIII e XIX.
  71. Silva, "A Academia Real das Ciências", 241-242.
  72. Silva, 242.
  73. Silva, 276-277; 291.
  74. Silva, 47.
  75. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 10:46-47.
  76. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 2:59.
  77. José Silvestre Ribeiro detalhou as competências que recaíam no indivíduo que tinha por responsabilidade a direcção destes estabelecimentos. Vide, Ribeiro, 2:59-60.
  78. Vide, Machado, "A Academia Real das Ciências".
  79. Silva, "A Academia Real das Ciências", 149.
  80. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 2:60-61.
  81. Ribeiro, Historia dos estabelecimentos scientificos, 6:119.
  82. Ribeiro, 6:136.
  83. Ribeiro, 6:46.
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Fontes

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Bibliografia

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Ligações Internas

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Ligações Externas

Academia Real das Ciências de Lisboa. Jornal de sciencias mathematicas, physicas e naturaes, publicado sob os auspícios da Academia Real das Sciencias de Lisboa. 1866-1927.

"Convento de Nossa Senhora de Jesus da Ordem Terceira de São Francisco / Academia das Ciências de Lisboa / Museu de Geologia". SIPA. Sistema de Informação para o Património Arquitectónico.

Autor(es) do artigo

João de Almeida Barata

https://orcid.org/0000-0001-9048-0447

Financiamento

Fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto TechNetEMPIRE | Redes técnico-científicas na formação do ambiente construído no Império português (1647-1871) PTDC/ART-DAQ/31959/2017


Apoio especial “Verão com Ciência 2022” da UID 4666 – CHAM — Centro de Humanidades, financiado por fundos nacionais através da FCT/MCTES (PIDDAC)

DOI

https://doi.org/10.34619/z1y0-cciz

Citar este artigo

Almeida Barata, João de. "Academia Real das Ciências de Lisboa", in eViterbo. Lisboa: CHAM - Centro de Humanidades, FCSH, Universidade Nova de Lisboa, 2022. (última modificação: 18/03/2024). Consultado a 19 de abril de 2024, em https://eviterbo.fcsh.unl.pt/wiki/Academia_Real_das_Ci%C3%AAncias_de_Lisboa. DOI: https://doi.org/10.34619/z1y0-cciz


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