Aula de Fortificação de São Luís: diferenças entre revisões

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Revisão das 18h47min de 2 de fevereiro de 2021


Aula de Fortificação de São Luís
Tipo de Instituição Ensino Militar
Data de fundação 1699
Localização
Localização São Luís, Maranhão, Brasil
Início: 1699


História

Os dados acerca do estabelecimento de uma Aula de Fortificação em São Luís são ainda pouco claros. Foi seguramente enviada ao então Governador do Maranhão, António Albuquerque Coelho de Carvalho (1690-1701), a carta régia datada de 15 de Janeiro de 1699, que determinava que havendo engenheiro no Estado do Maranhão, este deveria ensinar a fortificação.

"Governador e Capitão General do Estado do Maranhão. Por ser conveniente ao meu serviço: Hei por bem que nessa Capitania em que há engenheiro, haja aula em que se possa ensinar fortificação havendo nela três discípulos de partido, os quais serão pessoas que tenham a capacidade necessária para poderem aprender, e para se aceitarem: terão ao menos dezoito anos de idade. Os quais, sendo soldados, se lhes dará além do seu soldo meio tostão por dia; e não o sendo vencerão só o dito meio tostão. E todos os anos serão examinados para se ver se se adiantam nos estudos e se tem genio para eles, porque quando não aproveitem pela incapacidade serão logo excluídos, e quando não seja pela pouca aplicação, se lhes assinala tempo para se ver o que se melhoram: e quando se não aproveitem nele serão também despedidos. E quando haja pessoas que voluntariamente queiram aprender sem partido, serão admitidas e ensinadas para que assim possa nesta conquista haver engenheiros, e se evitarem as despesas que se fazem com os que vão deste Reino, e as faltas que fazem ao meu serviço enquanto chegam os que se mandam depois dos outros serem mortos. De que me pareceu avisar-vos, para que tenhais entendido a resolução que fui servido tomar neste particular. Esta ordem mandareis registar nas partes necessárias, e fareis com que se faça publicar para que venha a notícia de todos. Escrita em Lisboa a 15 de janeiro de 1699. Rei"[1].

O conteúdo da carta é o mesmo das que também foram enviadas no Brasil para o Rio de Janeiro (Aula de Fortificação do Rio de Janeiro), para a Bahia (Aula Militar da Bahia) e para Pernambuco (Aula Militar do Recife), que em todos os casos redundaram em iniciativas, embora com diferentes níveis de continuidade. Cartas similares foram enviadas para os governadores de Angola, Cabo Verde e Goa (Aula de Fortificação de Goa). Estas cartas confirmam o empenho de D. Pedro II na criação de uma rede alargada de núcleos de formação no Império que se juntam às aulas criadas na metrópole inicialmente em Lisboa (Aula de Fortificação e Arquitetura Militar) e depois em Elvas, Viana e Almeida (Aula de Fortificação de Viana, Aula de Fortificação de Almeida).

Tal como na Bahia, ou mesmo no Rio de Janeiro, também no caso do Estado do Maranhão e Grão Pará, pode-se identificar alguns antecedentes e diligências no sentido de estabelecer processos de formação e transmissão de conhecimentos de engenharia. É significativo neste sentido o papel desempenhado por Pedro de Azevedo Carneiro que foi nomeado em 1685 engenheiro do Maranhão e Grão Pará, tendo permanecido no Estado até 1692. São várias as referências na sua correspondência de que era necessário enviar mais engenheiros para o Estado. Em mais de uma ocasião sugere e recomenda que se criem aulas para ensinar engenharia e artilharia propondo-se para ambas as funções.

Em carta dirigida ao rei, datada de 20 de julho de 1687, Carneiro pede que o seu filho e o seu sobrinho, que estavam servindo como soldados no Estado, fossem colocados “nos postos de engenheiros por serem capazes para exercitarem os tais postos pelos haver ensinado e eles tomaram a lição com todo o desvelo e estão hábeis assim na prática como na teórica e por V. Majestade não fazerem maior despesa com virem os sujeitos desta corte e eu julgo estes por capazes pelo exame que neles tenho feito. Além destes há neste Estado soldados muito curiosos que se desejam aplicar a esta arte e como conheço o quão útil, seria ao  serviço de Vossa Majestade haver quem lhes leia a fortificação para que Vossa Majestade tenha neste Estado sujeitos capazes de exercer nestes lugares, assim porque se necessita destes sujeitos para ficarem continuando neste Estado as fortificações, como porque se farão os soldados mais práticos que tudo redundará em grande crédito do Estado. E sendo V.M. servido que eu lhes leia esta lição abrindo Aula régia para que ponham em execução o seu desejo, seria necessário que a três destes sujeitos lhe mande V. M. dobrar os soldos e com estes se aplicarão os mais preferindo eles também os postos para o que deve V. M. ordenar aos governadores que todo o curioso que assistir na Aula, assim na faculdade da fortificação, como na regra dos esquadrões e manejo das armas, que com minha aplicação os farei práticos e capazes de poder se lhe encarregar todo o serviço de Vossa Majestade e dentro em três anos me obrigo a deixar súbditos capazes para substituírem o meu lugar”[2]

Mais adiante na mesma carta o engenheiro vai sugerir ainda que ele se podia também encarregar da formação dos artilheiros pois estes eram ineficientes “pela falta de não terem quem lhes aplica (sic) nem lhe ensine a lição que devem saber para serem bons artilheiros” [...]. “Como pela distancia com que vivem neste Estado desta corte faltos de todo este conhecimento, já que me acho nestas partes [...] quisera servir a Vossa majestade com os ensinar e juntamente mandar consertar a artilharia que puder consentir boa [...] pois cá não há quem saiba fazer. Ensinarei o modo com que devem obrar com minha assistência, aplicando os materiais e engenhos com que se deve obrar o tal conserto da artilharia para que esta se não perca pela falta que dela há neste Estado e deixarão de ficar capazes de poder obrar com elas como se fossem novas”[2].

A carta conclui-se com o pedido expresso para que o seu filho Félix de Azevedo fosse provido no posto de capitão de infantaria com o posto de engenheiro e o seu sobrinho Manuel Correia Campelo com soldo de Ajudante, para assistir aos desenhos das fortificações “porque ambos são capazes de exercitar os ditos postos e servirem a Vossa Majestade e ter-lhe eu ensinado a faculdade de engenheiros”. E para si próprio pede: “o posto de tenente geral com o exercício da infantaria e engenheiro mor deste Estado do Maranhão e lente das fortificações desta aula régia nova, gozando os privilégios, exceções e liberdades e proeminências que aos ditos cargos tocam e pera que tudo se cumpra deve Vossa Majestade ordenar do governador deste Estado que a tudo de bom cumprimento”[2].

Essas considerações e sugestões de Azevedo Carneiro foram nessa circunstância objeto de comentários críticos do então governador do estado, Arthur de Sá e Menezes (1687-1690). Começa por desdenhar do projeto de educação familiar do engenheiro “Duvida-se se o engenheiro o sabe se em vida  poderiam  herdar esta ciência  os dois rapazes que este inculca, nem se sabe que tais lições tomassem” e diz ainda que o maior engenheiro que havia entretanto no estado era o missionário jesuíta Alois Konrad Pfeil e que pedindo o rei a sua colaboração dispensava mais contratações. “Sua Majestade tem naquele Estado o maior engenheiro no missionário Aluísio Conrado, que até agora se tem visto. Se o dito Senhor lhe mandar escrever agradecendo-lhe  a diligência a que foi ao Cabo do Norte assistir aos desenhos que fez o engenheiro por lho pedir, como também os mapas que tem feito e lhe encomendar que faça alguns desenhos, escusa mais engenheiros”. Mas o comentário mais ácido é o que se opõe diretamente ao entusiasmo de Azevedo Carneiro relativamente às capacidades dos engenheiros que ele poderia formar. Sobre isto diz ironicamente o governador que “Só estão capazes da arte teórica que sabem e mais disso que de serem engenheiros”[2].

A fria receção do governador às propostas de Azevedo Carneiro poderá ter sido motivada por diversas razões. Pode representar, talvez, alguma resistência à mudança em curso no processo de formação dos engenheiros que, com a criação da aula régia de fortificação, se autonomizava de certo modo da dependência da formação provida pelos jesuítas. Neste caso, e independente das qualidades do jesuíta em causa, o comentário pode em parte significar esta dificuldade de permitir a autonomização deste saber, vinculando–o ainda à estrutura de formação de base eclesiástica. Ou, também, a pouca crença de alguns setores no saber “teórico” da engenharia militar e a dificuldade de admitir as competências deste saber pela eventual pouca experiência prática (militar) de alguns dos engenheiros. De todos os modos, o que parece especialmente interessante é precisamente o entusiasmo do engenheiro e o fato dele próprio sugerir que pudesse dar aula e difundir a matéria, confiando genuinamente na sua própria formação e no método com que tinha aprendido na Aula de Fortificação e Arquitetura Militar de Lisboa (provavelmente enquanto discípulo já de Francisco Pimentel) . Método aqui implicando quer o processo de aprendizagem em si da aula da corte, quer a utilização do próprio manual da autoria de Luís Serrão Pimentel, intitulado significativamente Método Lusitânico de desenhar as fortificações regulares e irregulares, que Carneiro cita diretamente em mais de uma ocasião.

Além disso, é significativo também que os termos da carta régia para se criarem as aulas nos vários pontos do Império retomem de certo modo as sugestões que o engenheiro do Maranhão indicara.

Não se tem informação segura se, além do seu filho e sobrinho, Pedro de Azevedo Carneiro terá ensinado mais alguém. Em carta régia datada de 23 de Março de 1688 o governador do Maranhão foi instado a informar “quais os discípulos que ele tinha ensinado” e a sustar o processo[3].

De todos os modos, em 1695, ainda antes do decreto régio, Azevedo Carneiro, já de volta à Lisboa, voltará a sugerir que se instale, desta feita no Pará, “uma casa de tenência onde esteja o trem de artilharia, e onde se leia lição, ao menos duas vezes na semana, e quando se queira encarregar o sargento mor engenheiro José Velho de Azevedo me parece capaz de poder ensinar artilheiros, e mais oficiais na lição assim de suas obrigações”[4]. Importa ter em conta que José Velho de Azevedo  tinha feito a sua formação com seu pai Jerónimo Velho de Azevedo na Aula de Fortificação de Almeida.

Mas também sobre estas eventuais lições não se tem informações seguras. Importa no entanto referir que o mesmo José Velho de Azevedo foi nomeado em 27 de dezembro de 1698, sargento-mor da capitania do Rio de Janeiro, com “declaração que será obrigado a ensinar aos artilheiros”[5]. Embora José Velho de Azevedo não tenha saído do Pará para ir ao Rio de Janeiro, esta determinação de que deveria ensinar aos artilheiros é invocada, nos mesmos termos, em carta régia de 13 de Março de 1696, dirigida ao governador do Maranhão dizendo que deveria obrigar o engenheiro José Velho de Azevedo “que ensinasse aos artilheiros por esta ser uma das condições com que passou ao dito Estado”[6].

Alem disso, Custódio Pereira, que tinha sido nomeado engenheiro do Estado em 1961, em substituição de Pedro de Azevedo Carneiro,  foi relembrado da sua obrigação de mestre, quando em 1705 foi alçado a sargento-mor do Maranhão e a sua carta patente dizia “que será obrigado a ensinar as pessoas que quiserem aprender a engenheiros sem por isso levar salário algum por ser em utilidade daquele Estado”[7].

Em síntese, o que se sabe é que, mesmo com eventuais resistências em algumas circunstâncias, existiu intenção de estabelecer o ensino de fortificação e artilharia no Estado do Maranhão e Grão Pará, ainda no século XVII. Não se tem dados concretos que confirmem a existência oficial de uma aula, mas os engenheiros enviados para o Estado terão provavelmente dado lições, a nível particular (como Pedro de Azevedo Carneiro o fez, pelo menos ao seu filho e sobrinho), ou mais abertas, como pode ter ocorrido com José Velho de Azevedo e Custódio Pereira.

Ao longo da primeira metade do século XVIII não há outras referências documentais relativas a aulas ministradas no Estado. Em 1757, o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado vai estabelecer oficialmente uma aula em Belém, ministrada por Manuel Álvares Calheiros. Ver Aula de Fortificação de Belém.

Outras informações

Professores

Curricula

Notas

  1. AHU_ACL_CU_013, Cx. 34, D. 3160. Cartas Régias (treslados) de 1669 até 1752, existentes na Secretaria do Governo do Pará.
  2. 2,0 2,1 2,2 2,3 AHU_ACL_CU_013, Cx. 3, D. 267.
  3. AHU códice 268, f. 61.
  4. Relatório de Pedro de Azevedo Carneiro, datado de 30 de Dezembro de 1695, publicado in Reis, Arthur Cézar Ferreira. As Fortificações da Amazônia no Período Colonial. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 344 (jul/set. 1984): 217-227.
  5. Viterbo, Francisco Marques de Sousa. Diccionario historico e documental dos architectos, Engenheiros e constructores portuguezes ou a ... Lisboa: Impr. Nacional, 1899, vol. 3, p. 174.
  6. AHU_ACL_009, Cx. 9, D.950.
  7. Viterbo, Francisco Marques de Sousa. Diccionario historico e documental dos architectos, Engenheiros e constructores portuguezes ou a ... Lisboa: Impr. Nacional, 1899, vol. 2, p. 245.

Fontes

AHU_ACL_CU_013, Cx. 3, D. 267. 1687, setembro, 19. Carta do Governador e capitão General do Estado do Maranhão e Grão Pará, Artur de Sá e Meneses, para o rei sobre a construção de fortalezas no Cabo do Norte. Anexo: 5 cartas.

AHU_ACL_009, Cx. 9, D.950. 1697, Novembro, 18, Lisboa. Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. Pedro II, sobre vários assuntos: apontamentos do capitão engenheiros Pedro de Azevedo Carneiro acerca das fortalezas do Maranhão; sobre a obrigatoriedade do engenheiro José Velho de Azevedo ensinar os artilheiros e ainda sobre a ida de soldados da ilha da Madeira para o Maranhão.

AHU_ACL_CU_013, Cx. 34, D. 3160. Cartas Régias (treslados) de 1669 até 1752, existentes na Secretaria do Governo do Pará.

AHU códice 268, f. 61.

Bibliografia

Araujo, Renata. As Cidades da Amazónia no século XVIII: Belém, Macapá e Mazagão. Porto: Faup Edições, 1998.

Bueno, Beatriz Piccolotto Siqueira. Desenho e Desígnio: O Brasil dos Engenheiros Militares (1500-1822). São Paulo: Editora da Universidade : Fapesp, 2011.

Reis, Arthur Cézar Ferreira. As Fortificações da Amazônia no Período Colonial. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 344 (jul/set. 1984): 217-227.

Viterbo, Francisco de Sousa. Diccionario Histórico e Documental dos Architectos, Engenheiros e Construtores Portugueses ou a serviço de Portugal, 3 vols.. Lisboa: Tipografia da Academia Real das Ciências, 1899.

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Autor(es) do artigo

Renata Araujo

Financiamento

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